Chão gelado.

Deita-te no chão gelado de pedra
Recebe os raios solares do verão
Abra os braços para a memória doce

As coisas seguem acontecendo
exatamente como devem acontecer

Dedica teu amor aos que te cercam
Supera tua história de trauma, querida
Liberta-se na imaginação e depois na vida

Não se esquece de que o Tempo é o único algoz
Entretanto viva momento por momento
Essa vida que vivemos passa veloz
Passam até os grandes arrependimentos

Deita-te no chão gelado de pedra
Recebe os raios solares do verão
Desliza os dedos pela aspereza

As coisas seguem acontecendo
exatamente como devem acontecer

Não se esquece de quem te inflama
E por ti arde em desejos
Revira tua vida e tua cama
Clama sempre por teus beijos

Deita-te no chão gelado de pedra
Se esta vida é o teu lugar
A resposta é sempre uma sentença
Tudo bem se você então mudar

Deita-te no chão gelado de pedra
Observa as várias cores da torre de sempre
Acredita no infinito contando estrelas

Lembra-te que tudo um dia se encerra                    
Até a torre de sempre um dia some
bem como todas as certezas

E a Dor surge como um fio de escuridão
no meio de tantas lembranças felizes
Siga em frente com orgulho do coração
que sobrevive com tantas cicatrizes

Antes que tudo isso se acabe
Deita-te no chão gelado de pedra
E nunca se esqueça
As coisas seguem acontecendo
exatamente como devem acontecer.

Desastre clássico.

Desastre clássico
que faço da vida
Essa profusão
de encontros
Estes olhos
cansados e tontos
Chocam-se com impulsos
violentos e mansos
Solidão esquecida
Desastre natural
Falso desinteresse
prolixo e crescente
Tudo se revela sempre
Tudo se rebela
até o que não se entende
Luzes urbanas
Pôr do sol praiano
Gaivotas e pombas ciganas
Por quanto serão o que são
enquanto eu as chamo
Ouço o meu nome
observo de soslaio  
Por onde me esvaio
quando me derramo?
Por onde desmaio
quando sinto fome?
Por onde existo
quando o mundo
então some?
Para onde choro
se sei que secou o pranto
Para onde sigo e me demoro
quando já não sou tanto?
Não me sinto tão pronto
Troca equivalente
Verdades dissidentes
Consegui sorrir hoje
Tudo está abandonado
Certamente eu também
Andarilho distraído
Olhar canino enternecido
Invento mundos
Invernos mudos
Adesivos velhos
com colas duradouras
Na janela marca a tela
a poética da garoa
Azul e preto
Uma memória
de fevereiro
A lua no céu noturno
com a estética
de um queijo
Buquê de flores
Surpresas
O tempo
dos amores
A morte
das certezas
A apoteose
das dores
Barcos frágeis
em tempestades
Aviões bimotores
Peculiaridades
Arco-íris sem cores
Desastre clássico
de um homem salgado
Entrei no mar e
o tornei mais doce
Por quanto será
assim se o que existe em mim
fosse apenas o que fosse?
Desastre ilusório
das minhas impressões
Este caos é retórico
no reino dos corações
Cato pedaços que acho
meus e dos outros
O escape não
faz sentido
Esta rouquidão
representa pouco
Gole de café
Preguiça esticada
Acreditar no Tempo
é uma cilada
Acreditar no Tempo
é ter fé que tudo se acalma
Desgraça cósmica
Desastre clássico
Filósofos miseráveis
Corruptores endinheirados
Seres humanos vendáveis
Desastre clássico e inevitável
Sinto-me como
um lixo descartável
Horizonte plúmbeo
neste crepúsculo
Quanto mais a noite cai
Mais eu me busco
O cinza então
vira púrpura
Eu não viro
coisa nenhuma
Continuo sendo
criatura que sonda
Sente o que sente
Fantasma que assombra
E segue em frente
Fera que rosna
Cansado e exausto
Expiaria os pecados
Nunca pela confissão
para qualquer padre
Sempre como um fardo
Tudo isso e me mudo
Noutro alvorecer
Revelo a forma e o conteúdo
Farei tudo por prazer
Nunca me centrei
Talvez eu nem o saiba
um dia fazer
O universo político
ainda acontece
Domingo fatídico
que amanhã se esquece
Eu sigo prolixo
O resto se entorpece
De escolhas alheias
que não lhe acometem
Lume lunar
que hoje não vem
Fume o que fumar
não ficará bem
Cafés quentes e
bolos de laranja
Sente o que sente
e ainda se arranja
Chuta uma árvore
e colhe novos frutos
Sente o que sente
desespero mudo
Fantasma das dunas
O velho e o mar
Significo o que digo
Instinto solar
Não sei mais se devo
falar o que quero dizer
Todo mundo pensa que me ergo
apenas para ofender
E de dentro surge algo
que eu não sei nem explicar
O sol some
por completo
A tempestade
me torna discreto
Penso o que penso
sem hesitar
Pena, penso, apenso,
lápis, tinta e lugar
Lacuna imensa
Quero me afastar
Sozinho pretendo
me erguer e lutar
Samurai dos anos
Dialeto do povo
Seguro algo
secreto e novo
Antecipo o pesadelo
Desastre clássico
Não é que eu tenha medo
Só estou sorumbático
Conchas, praias, pombas,
Chuvas, assaltantes, padarias,
Pão quente, máscaras, surtos,
Pandemia, xícara, Inglaterra,
O Condado e o Japão em outras Eras
Carvalho milenar e um antigo gosto
Prosseguir é estar exposto
Existir é conhecer seu rosto
E eu continuo procurando
a face que eu tinha antes
da criação deste Universo
E me perco e me acho
na somatória dos versos
Não faço sentido e
nem preciso fazer
O que está perdido
Ainda vai aparecer
No meu caminho
Vislumbro instantes
completamente felinos
Durmo quando acordado
Vivo melhor dormindo
Infelizmente porém
Durmo apenas três horas
Outro dia estive bem
Príncipe de ontem
Fracasso de agora
Hoje estou aquém
Como tudo demora
Como muda o clima
Estou em Campo Grande
com a cabeça em Curitiba
São Paulo fura a fila
e grita o meu nome
Aqui entre nós
será só mais um homem
Sorrio e me distraio
com tudo o que acho
Quero ler aquele livro
Caprichos e relaxos
Tento ser mais vil
E continuar sereno
Minha bondade não serviu
neste mundo tão ameno
Desastre clássico
que sempre perdura
Mouses neons, pastas térmicas,
réprobos, colegas que morrem jovens,
Caixas de sons, budas, elefantes,
Chaves e pokémons e portas,
Corujas, sapos e amuletos,
Bairro da Liberdade,
cadela grande e preta,
Imaginações impossíveis
e a beleza das hipóteses
Desastre clássico
Suspiro ácido
Estrelas fixas
Constelações prolixas
Estrelas soltas
Meteoros
Rios e bares
Arrepios lunares
Santos dos mares
E eu sozinho
Este é o caminho
Esta é a missão
Toda a aposta em mim
mesmo sem cartas nas mãos
Toda a aposta em mim
Mesmo que tudo dê errado
Feiticeiras, bruxos, amores resolutos,
E o furto do Rei Diabo
O que cresce como um susto
sem nenhum suspeito
Grita aos que se fingem surdos
Não há outros jeitos
E assim vou
Como posso
Como consigo
Como devo
E não me martirizo
Deuses e demônios me observam
Como se eu fosse entretenimento
Os aeroportos perderam o charme
As pessoas perderam o encanto
Os infames seguem em vantagem
Os benfeitores nem tanto
Desastre clássico
de um futuro perfeito
Curo o que furo no escuro
faço agora do meu jeito
Sem controle de danos
Eu preciso saber se existo
Mergulho de cabeça nos planos
ou para sempre desisto
Gatas pretas, cachorros de duas cores,
chocolates amargos, malas sucintas,
Jogadores antigos e aposentados,
Raposas, panteras e a televisão
A guerra que sempre habita meu coração
Desastre clássico e o que existe dentro
Quero viver para ver além do fingimento
Borboletas com olhos nas asas
Cometas que acendem meus olhos
E me colocam em brasas
Tudo o que significa
sem nunca significar
Sigo o instinto do que sinto
Um dia me realizo
Um dia me sinto no lugar
Desastre clássico
da existência
Eu só queria ser alguém
com mais paciência.

Diário de Bordo

Livro na sala
Eu no sofá
Arrumei minha mala
Não volto pra lá
Quem sabe o que sente
Leva na bagagem
O que acontece com a gente
Não é de passagem
Sorriso de comissária
Seja muito bem-vindo
A alma ordinária
clama pelo Destino
Eu e você vivos
em outra estação
Sigo pensativo
na poltrona do avião
Teu rosto
na memória
Teu gosto
velha história
Fito na janela
Luzes fortes da cidade
A vida é triste e bela
Viverei com saudades
Tudo vai como deve
Eu vou também
Ainda volto a ser leve
E sigo além
Diário de bordo
O fim é o começo
Esqueça logo de mim,
mas eu não te esqueço.

A última noite

A última noite chegou e eu não te encontrei
Quando você apareceu você era menos você
A última quinzena de sofrimento não foi fácil
Suponho que tenhamos nos transformado
Ainda assim entrei em choque quando te procurei

Que fim teve a mulher que amei?
A última noite chegou e eu não te encontrei
Não havia carinho, amor ou atenção
Estava sozinho com a minha dor
Revisitando tudo o que conseguia
Espelhos, desejos, tudo custa caro,
Camas, terraços, beijos e o sexo no carro
A última noite chegou e eu não te encontrei
Ouvi sua voz falando alguma bobagem
e não admiti que você fosse ela
Não por se fazer coisa frágil
Sim por quase desistir de tudo
Independente da queda
Eu sempre te falei que há
muitas belezas neste mundo
A última noite chegou e eu não te encontrei
Pouca coisa mudou, mas eu mudei e sei
Sou o piloto que gargalha do desafio
minutos antes de chorar rios pela despedida
O segredo é não criar expectativas
A última noite chegou e eu não te encontrei
Refiz rotas mentalmente e abracei o meu sufoco
Não deixe esse tanto virar apenas um pouco
Respeite-se e erga sua voz aos que se fingem surdos
Mostre a beleza da sua forma e do seu conteúdo
Apenas viva extremamente bem
Incenso fosse música e você sabe
Querer ser quem é vai nos levar Além
A última noite chegou e eu não te encontrei
A última noite chegou e eu chorei
E escrevia enlouquecido por horas apenas
para ter a certeza de que não iria enlouquecer
Todo o resto parece me inventar
Espero que você não me deixe apodrecer
Daqui sigo agora completo e sozinho
Não é exatamente reto, mas é o meu caminho
A última noite chegou e eu não te encontrei
Espero que você possa apenas se recordar
das coisas boas que eu também me lembrei
A última noite chegou e a chuva parou,
mas o frio seguiu me congelando
Eu preciso me arriscar para sentir
que meu coração não está parando
A última noite chegou e eu não encontrei você
A última noite chegou e você não me encontrou
A última noite é qualquer coisa que antecede a manhã seguinte
Não viva por migalhas ou e nunca se faça pedinte
Divirta-se e coloque no rosto milhares de sorrisos
Temos amanhãs por alguns bons motivos.

Simplicidade

Meu irmão mais novo acredita em uma vida mais simples. Eu sempre o observo com certa desconfiança e tento compreender. Tudo pode ser assim tão prático?

Agora observo seu pragmatismo, sua lentidão. Ele dorme quase o dobro do número de horas que eu, mas é no gesto dele de preparar o tabaco para o fumo que me vejo mais distanciado dele. Somos diferentes e estamos distantes e não, o que prenuncia nossa distância não é o fumo e sim a paciência com que ele se prepara para fumar. Eu costumava saber levar tudo no ritmo certo. Quando foi que me perdi?

Eu o chamo para ir até a padaria e ele não quer. Eu digo para ele lavar a louça, pois vou para o quarto dia seguido e é a vez dele. A resposta dele é um dar de ombros com a frase pronta… Já vou.

E eventualmente ele vai, mas não .

Se alguns mosquitos aparecerem, ele pode de repente se sentir mais motivado. Se baratas surgirem no piso da cozinha, ele provavelmente intuirá que há algo sujo e estará coberto de razão. Se fosse receber uma visita especial talvez até limpasse a casa, mas ninguém aparecerá. Os mosquitos ele pode espantar com o repelente; as baratas ele esmaga impiedosamente. Está convicto de que a vida dele vai seguir independentemente do que aconteça.

Bebo um copo de água, mas não finjo prazer no gesto de sorver o líquido. Sei que tenho sido demasiado dramático e prolixo. Estou consciente de que me estendo muito e de que a vida seria mais simples se eu controlasse meus pensamentos.

Desde a infância meu irmão me observa e me admira e me enxerga como uma pessoa muito inteligente, mas olho e penso se a vida não é mais que essa simplicidade com ares de abstração, se é apenas um descuido cuidadoso em direção aos erros mais confortáveis ou ao alheamento completo. Não consigo me convencer e nem sei se quero.

Tanta gente tenta me convencer sobre tantas coisas todos os dias e sinto o peso deste mundo em mim. Sinto a intensidade da exaustão. Não quero preparar meu tabaco e tampouco desejo fumar, mas hoje vou tomar um banho demorado, beber uma cerveja gelada e pedir o lanche vegetariano pela sexta vez neste período em Cabo Frio, apenas porque tenho dinheiro para desfrutar destes prazeres simples e sinto que mereço esse conforto.

Provavelmente vou lavar a louça, retirar o lixo e arrumar a casa, afinal, não é preciso imitar tudo o que admiro em outra pessoa. Ainda assim, os discretos gestos de quem é tão calmo que parece não se importar com nada me ensinam uma grande lição.

E enquanto ele não pensa em muitas coisas, eu penso em tudo. Atinjo a exaustão mental, mas ele é o único de nós que dormirá tranquilo por incontáveis horas. Sorrio e me sinto mais tranquilo.

Pelo menos tomo um café a mais todos os dias e desfruto dos passeios matinais pela praia. Sei que isso é um privilégio só de quem acorda bem cedo, mesmo que seja para quase ser assaltado.

Blues

Escuto uma batida lá no fundo da minha alma. É uma canção antiga e essa espécie de ritmo ancestral percorre túneis secretos até o meu âmago.

Este blues já tocou antes, mas eu pensei que nunca mais fosse ouvir essa canção.

Olha, eu chorei a noite inteira e não consegui dormir. É que eu queria dizer um tanto de coisas, mas sinto que qualquer sombra de palavra vai piorar tudo. Eu sei que o meu jeito não convencional é um pouco complicado e eu deveria estar escrevendo sobre os venezuelanos, entretanto, aqui estou.

O que estou fazendo? Não sei exatamente, mas espero estar decidindo certo. A vida é meio estranha e a gente se desvia dos caminhos geralmente, sabe? Eu só quero não me desviar dos meus.

A cabeça se distrai facilmente com qualquer outra coisa que me leve longe de onde realmente sinto que devo estar. Você cresceu dentro de mim em uma velocidade estupenda e precisa se lembrar disso. O estômago anda mal, eu acho que bebi um litro e meio de café hoje e devo vomitar.

Sinto falta e me sinto fraco nessa ausência dolorida qual não posso controlar. Uma canção antiga reverbera em mim.

Creio que escolhi certo, mas que diferença faz? Na falsa balança não há qualquer vislumbre ou sensação de equilíbrio e, bem, eu sou equiparado com os réprobos e sofro uma retaliação silenciosa. Mereço? Que importa aos outros? Será que em segredo você me desgraça também?

Passo meus dias em casa e me sinto estático. Não me movo e nem sinto vontade de me mover. Sou resgatado por sorrisos breves em episódios de The Office, mas honestamente é a única alegria que sinto.

Escuto uma batida lá no fundo da minha alma. Este blues já tocou antes, mas eu pensei que nunca mais fosse ouvir essa canção.

A verdadeira tristeza é uma falta de ar constante. Eu sinto como se não pudesse aguentar até amanhã de manhã. Encontrarei o meu fim neste solilóquio, nesta noite relativamente gelada? Sinto a dor da ausência e a presença tão calorosa que se insinuava quase como o próprio sol está distante. Meu mundo quente sofre um baque com a queda da temperatura. A canção que toca no fundo é conhecida. Este velho blues rasga o meu coração.

Olha, eu chorei a noite inteira e não consegui dormir.

Escrevi uma carta e depois outra e, enfim, mais uma. O que tanto escrevo eu já não sei mais. Queria conseguir transparecer a convicção que existe por essa espécie de intuição certeira. Falho.

Por quanto tempo estarei assim?

Não me sinto preso e nem liberto. Tampouco sou burro, mas existo longe de me sentir esperto. Os que têm para quem se confessar forçam o erro sem hesitação. E o que faço eu que não conto com a anuência de mais ninguém para me sentir realmente bem ou realmente mal?

Não há quem me abençoe para os dias seguintes e nem quem me ofereça redenção pelos pecados que não cometi. A única coisa imperdoável é a incoerência quando ela é absolutamente hipócrita. Não está tudo bem.

Mas tudo vai ficar, eu sei, pois ainda não escrevi sobre a Venezuela e sigo noite adentro para finalizar trabalhos que deveria ter feito na última tarde. Não estou atrasado, apenas um pouco deslocado do horário normal de funcionamento das coisas.

Que é que há comigo que sempre funciono no meu próprio tempo?

Olha, eu chorei a noite inteira e não consegui dormir, pois queria saber como você está, mas não posso perguntar. Tenho recebido este tratamento gélido e distante de quem costumava fingir que se importava.

Ninguém se importa.

Sigo como posso e até onde posso. Não posso fazer menos por mim do que estou fazendo agora. Talvez eu não esteja fazendo o meu melhor, mas estou realmente tentando tentar.

Redundante?
Necessário.
Ridículo?
Possivelmente.
Prolixo?
Inevitavelmente.

Escuto a mesma batida lá no fundo de minha alma. Este blues já tocou antes, mas eu pensei que nunca mais fosse ouvir essa canção.

Existo

E esta calmaria distante
Preenche o meu peito com memórias
Sinto saudades e choro
O que foi nunca será novamente
Agarro este segredo de existência
como se apenas eu o compreendesse
Certas coisa que desejo jazem longe
Não sou apenas triste ou feliz
Sou simultaneamente triste e feliz
Às vezes meu sorriso brota da dor
e me regozijo pela satisfação em existir
Outras vezes a melancolia me habita
nos intervalos de momentos jubilosos
Existo na extrema contradição de minha essência
E a vida novamente se significa onde não a compreendo

Furo cronológico

O seu beijo quando era meu
O meu beijo quando era seu
Nosso beijo quando era nosso
E aquela vontade imatura e infantil
de que sua boca fosse apenas minha
E nós sorríamos com a convicção divina
de que seria exatamente assim
Fazíamos tudo como adultos fazem,
mas nossos sonhos eram pueris e puros
Como sinto saudades de nós juntos
Como penso em tudo toda hora
Pedi para que apagasse a vela
Pedi para que não me seguisse pelos vales
Pedi para que se lembrasse
de que a vida é bela
A magia está nos ares
A vida é maior do que
a lacuna das sequelas
Visite agora novos lugares
Olhe e veja como eu te vi pela primeira vez
Deixe que o manto da noite te cubra e descubra
Tudo o que você é capaz de fazer
Acredite e siga nos próprios trilhos
Quando fecho os olhos ainda vejo seu brilho
E se ilumina o meu rosto com a lembrança
do seu gosto e da perfeição do sorriso
O seu beijo quando era meu
O meu beijo quando era seu
E a nossa existência como Um
ainda que sempre fôssemos dois diferentes
Num tempo singular qual é particular
Você sobrevive e eu quero que continue assim
Mesmo que a vida mude
Mesmo que o sentimento mude
Mesmo que os desfechos esperados mudem
Eu sei que havia algo especial sobre nós
Eu sei que há algo especial entre nós
Eu sei que sempre haverá algo especial sobre nós
Talvez seja um pequeno furo na cronologia da vida
Talvez seja o tempo certo e outras versões nossas
estejam felizes em outro tempo e espaço
Eu quase posso tocá-las, pois ainda imagino
E alcanço memórias reais e ilusões perfeitas
É que eu ainda me lembro e intuitivamente sei
que nunca conseguirei deixar de me lembrar
O seu beijo quando era meu
O meu beijo quando era seu
Nosso beijo quando era nosso.

O que tenho tentado dizer

Sabe, eu tenho tentado dizer essas coisas todas, você percebe? Sobre estes tantos ensaios dos quais tenho falado, recorda-se? Claro que sim, eu insisto em perguntar por teimosia, aprendi bem, cascas de cebola e coisa e tal, mas se descascarmos o bastante vamos amadurecer e chorar, certo? Claro, é óbvio, mas a cebola quase sempre faz uma diferença incrível no sabor dos pratos, não é?

Perceba, por favor, eu disse antes que todo mundo sangra igual, você ainda se lembra? Note que existe essa inevitabilidade das coisas inevitáveis, bem como há memória das coisas inesquecíveis, embora eu tenha lido uma pesquisa recente que afirma que somos capazes de adulterar quase trinta por cento de uma memória original. Bem, eu não sei quem são esses pesquisadores, mas torço para que estejam errados, se eu pudesse, você bem sabe, eu preservaria a integralidade de todas as minhas memórias mesmo depois da morte, sim, até o que mais me machucou eu guardaria, veja, o sofrimento já foi necessário como prova da minha existência, não, nada mais adiantava, eu beliscava minha própria pele para saber se ainda estava vivo e sentia uma quebra de expectativa da realidade quando eu mesmo tornava minha vida salgada através do choro. Bem, eu não sei se você vai acreditar nos pesquisadores, mas talvez valha a pena crer neles, afinal, é melhor acreditar em algo do que em nada e confesso que tenho verificado no cotidiano essa espécie de necessidade insistente em confiar nos números. A matemática e os cálculos e os gráficos revelam muitos dados, porém quase sempre ensinam pouco.

Não através de minha própria sensação, mas pela impressão que nutro pelo que é sensação alheia, eu sou Eu e simultaneamente sou outro. Choro pelas dores alheias como se elas não me fossem avulsas e me flagro atônico pela minha capacidade de desdobramento. Minhas lágrimas se unem com o choro de todos os outros seres vivos do mundo e os rios salgados escorrem em mim. Olha, eu talvez esteja me expressando mal, mas eu falo quase sempre tudo nas entrelinhas, eu sei, você é míope assim como eu e não deveríamos exigir tanto de nossos olhos, mas escute o que eu digo quando me calo e não procure oportunismo nas palavras que falo, não, não é um jogo, eu sou só ligeiramente invertido ou só e ligeiramente invertido.

Por sermos gigantescos e expansivos incorremos às contradições e é pela vastidão dessa imensidão de alma que tenho que ficar defronte ao Propósito. Espere, eu estou delirando, veja, antes isso era algo raro, mas começo discorrendo sobre uma coisa que subitamente se torna outra e quebro barreiras, sem me fingir e sem me fugir, cônscio de que sempre me alcanço, mas eu estava tentando falar sobre o que há de mais puro meu em mim e me peguei evitando um assalto óbvio, comemorando três gols no Atlético Mineiro e observando meu irmão fumar na sacada enquanto evitava uma vontade crescente de vomitar, eu sei que soou confuso, mas a vontade era minha e não do meu irmão e você precisa entender que isso nada tinha a ver com o cheiro da fumaça, mas sim com a minha alimentação irregular na última onzena.

Sabe, eu tenho tentado extravasar através dos textos a criatividade da minha alma e digo muito para falar algo que sinto em síntese. Nada em mim é minúsculo, mesmo assim não consigo me ver grande. Imagino-me diante do Propósito ou tagarelando em um bate papo sincero com o próprio Criador e me pergunto sobre essas coisas todas que nos colocam um sorriso no rosto e que nos dão uma satisfação ancestral. Conforto, carinho, prazer, segurança, amor. Que há na vida além do conforto, do carinho, do prazer, da segurança e do amor?

Meus olhos brilham quando falo de livros e você deveria ter sabido, bom, eu acho que na verdade você sempre soube, eu nunca escondi de ninguém, exceto de mim quando não conseguia confessar nem em sussurros o que berrava interiormente no meu âmago.

Olha, eu tenho tentado dizer essas coisas todas, percebe? E tenho sofrido em silêncio, pois acredito que a dor precisa ser entendida para ser compartilhada e, bom, eu não sinto como se os outros pudessem realmente me entender. Sabe, eu às vezes imagino o passado, anos antes, tudo o que houve através das décadas e localizado atemporal, percebo-me no presente momento e compro uma certeza de que existiram milhões de seres incompreendidos. Às vezes soa como um castigo que só piora quando é dito em voz alta, pois à luz da explicação tudo se torna ainda mais baço e confuso aos outros. A minha clareza parece ser antagônica ao meu destino. Esforço-me, mas de quando em quando me sinto só mais um menino.

E invejo o Peter Pan que pôde nunca crescer.

Na Terra do Nunca guardei teus melhores sorrisos, mas o Nunca crescia avassalador para tantas pessoas que tive a presunção de me imaginar capaz de fazer algo pelos tantos que se esquecem da própria individualidade e que refutam qualquer chance de correr atrás dos sonhos. Há resgate para quem não se resgata?

Convenço-me de que o rapaz Davi queria me assaltar. Eu estava “dando mole” ou “de bobeira” na praia às 6h18 da manhã escutando Lord Huron e me sentindo um fantasma personificado, quando ele surgiu subitamente. Não, na realidade não foi tão súbito assim, eu o vi quatro ou cinco segundos antes quando ele descia de uma duna de areia e deslizava rapidamente até o meu encontro, mas o esperei. Como evitá-lo em alguns segundos? Havia motivos para não aguardar por este encontro inédito?

– Oi, eu sou o Davi.
– Oi, Davi.
– Eu tenho 23 anos e você?
– 28.
– Você é daqui?
– Sim.
– Daqui da região?
– Sim. Daqui da região.
– Mora aqui perto?
– Sim. Davi, eu não tenho o costume de parar minhas caminhadas matinais para falar com estranhos. Vou indo pra lá. Pra casa. Tchau.
– Poxa! Vamos conversar mais um pouquinho. Ei! Vamos conversar!

Reli o diálogo sem destacar minhas impressões e nu de todas elas encontrei inocência no papo rápido com o jovem rapaz. Evitei relatar que ele me olhava com uma particularidade estranha e que exibia no cenho uma expressão vitoriosa, como o caçador que observa a caça e sabe que não há como perdê-la. Omiti que Davi estava demasiado perto e que falava como se me sondasse. Sondava? Não sei dizer, mas quando um velho de peito cabeludo passou em uma corrida matinal, eu aproveitei a chance de deixar o rapaz para trás e segui o atlético idoso. Que se passava na cabeça de Davi? Será que era realmente possível que ele estivesse tentando assaltar alguém não muito depois do sol nascer? Se não era este o caso, pergunto-me o que fazia o rapaz na praia? O que ele pretendia com o diálogo? Desconheço o sujeito e não posso supor opiniões por ele, ainda que eu tente.

Sabe, eu tenho tentado dizer essas coisas todas, você percebe? Sobre se colocar no lugar do outro e sobre nunca ser o outro e tenho tentando ainda mais, você nota? Discorrer sobre a importância dos contos de fadas que nos ensinam sobre como é fundamental conhecer um caminho e seguir por ele, ainda que o caminho mude e você mude também. Olha, se toda história contada não revela algo do contador em contraste com o leitor. Olha, se o que aprendemos de um jeito não aprendemos de outro. Olha e veja, se pequenas decisões não fazem grandes revoluções e se os menores já não mudaram o destino do mundo. Olha, eu fiquei acordado até mais tarde para tentar esvaziar meus pensamentos, mas acontece que toda vez que eu os escrevia, eu pensava ainda mais, não só nos pensamentos anteriores como em alguns outros tantos inéditos, assim, sem cessar de cogitar ideias, eu persistia insone e distante das distrações. Quero me distanciar? Certamente não.

Tenho pensado em coisas que são apenas o que são e que jamais se revestiram de outra coisa qualquer. O valor de uma amizade desinteressada, mas nunca desinteressante, destes amigos que se olham nos olhos como iguais e se escutam e se compreendem, sem vícios ou segundas intenções. A relação do satisfeito homem do campo com a terra, o balanço entre a vida e a morte, a idolatria das crianças pelos adultos e o constante desejo dos adultos pela infância. Cada coisa é o que é, ainda que em tudo se detecte uma vontade vadia de ser outra coisa ou de fazer querer parecer outra coisa. Como então solucionamos tantas divagações?

Talvez não sejamos capazes. Não fosse suficiente sentir náuseas por tantas horas consecutivas, percebi-me piorar com a notícia do escárnio dos poderosos que se ergueram acima do Bem e do Mal. Sentenças inéditas envergonham o país e o povo e não parece existir esperança para coisa alguma.

Olha, eu tenho tentado não pensar nos demais males do mundo, você bem sabe, eu tenho tentado não me assustar, mas sonho com guerras e sou acordado por diabos, atormentado por fantasmas e lidero a perseguição contra a minha paralisia. Quero abraçar responsabilidades e fazer algo pelos outros, mas sinto que só sei escrever e, para ser honesto, às vezes até em escrever me falho.

Olha, eu sei que você quer esquecer discretamente e se entregar ao sono e, bom, eu sei que você percebeu tudo o que quase todos ignoraram. Juntos retirávamos do mundo impressões mais positivas do essas todas que foram deixadas para trás. Ainda assim, eu espero que você não durma muito tarde e nem que acorde muito cedo e que se alimente bem e que nunca se esqueça que os animais precisam de atenção. Eu sei sobre algumas de suas impressões, sim, às vezes eu também quero segurar na mão de alguém que não seja falso e correr por um campo verdejante anunciando meu desespero incessante neste mundo sofrível. Paro e respiro. Eu preciso de ar para continuar a uma sequência profusa de pensamentos parecem despencar de uma egrégora invisível. Sinto como se mil espíritos sibilassem algo em meus ouvidos e os batimentos cardíacos das estrelas me convencem do impossível.

Tudo que é agora logo menos será outra coisa
Perco-me na tentativa de preservação
do que não se pode preservar
Temo perder tudo e afundar em solidão
Cesso o raciocínio e me entrego ao acaso
Imagino minhas entranhas se rasgando
E extraio de uma única alma a irrefutável verdade
Ouço sussurros milenares me preenchendo
E extraio de minha própria alma o segredo incognoscível
Fecho os olhos e se revela o mistério da existência

Pulsa em mim o desejo de não ter desejos
Ajoelho-me em uma poça de meu próprio sangue escuro
Compreendo idiomas quais nunca estudei
Transpiro a inutilidade do existencialismo
Sorrio com a gelidez corpórea da estreia de um ator no palco
Caminho pela praia com a serenidade de uma gaivota
O que sou nada representa ou significa
Sou só o que sou até o dia que não mais serei

Sabe, eu tenho tentado dizer essas coisas todas, você percebe? Que me lembro até quando me esqueço e de que o conhecimento que tenho é tão inútil quanto o conhecimento que ainda não tenho. De quando em quando acerto bons textos e eles se apresentam como inutensílios para pessoas que precisam se distrair. Sabe, eu capto gestos, detalhes, observo instantes e os guardo, pois a lembrança discreta pode ser mais valiosa do que a duradoura. Há gestos mínimos realizados em uma noite que deverão sobreviver na memória por anos. Seus olhos sempre olham e enxergam e este é o único orgulho que se pode ter dos olhos. Seus trajes protegem contra o frio perfurante e esta é a única serventia dos trajes. Divido-me entre o sono e a vida e, assusto-me ao pensar que o mundo todo continua acontecendo enquanto eu durmo. Talvez seja a razão por eu dormir cada dia menos.

Sabe, eu tenho tentado dizer essas coisas todas, você percebe? E quando eu saí pela porta da frente foi por necessidade e para que a vida não tire de mim o pouco que sei que preservei apesar dos pesares. Sofro como sofro, amo como amo e escolho como escolho. A coragem de perseguir cegamente uma missão é uma loucura sem precedentes. Ainda assim gargalhei destes dias, apesar dos tantos acidentes. Se um piloto morre nos céus, ele morre fazendo o que amava. Nada mais que o voo lhe importou nem mesmo a própria vida que lá deixava. E alguns o chamarão de herói ou anjo, mas ele era apenas um homem determinado. Algumas pessoas são diferentes, certo, Rivière? Essas noites, hã? Melhor tomar cuidado com elas.

Sabe, eu tenho tentado lembrar de algo que li, bom, que todo mundo é feito de carne e pensamentos e só pode alcançar a beira da extensão, mas nunca o todo. Muitas coisas desaparecem, mas perceba que elas permanecem vivas como marcas de traumas ou de felicidades inenarráveis, veja que muitas coisas desaparecem, mas persistem existindo como símbolos imortais e imutáveis de algo que nos faz lembrar de ser o que somos, ainda que sejamos capazes de mudar sempre. Olha, pois o Sempre é uma esquina repetida e ficaremos uns dias ou uns meses ou uns anos sem nos encontrarmos, mas talvez eu ainda te veja todos os dias, todos os meses, todos os anos, mesmo que você não saiba. Olha, não é sobre vínculos, é sobre a docilidade sutil de algo que se prova e de que não se enjoa, veja, é sobre conforto, carinho, segurança, prazer, amor e muito mais. Olha, é sobre essas coisas que fazem os humanos mais humanos e menos exatos e que nos lembram que somos poeira de estrelas e de que Deus existe e possui um estranho senso de humor e que somos feitos de carne e osso e que inevitavelmente morremos no final, pelo menos por enquanto. Em qual esquina foi que eu li o letreiro com o Nome da Vida? Nada vale a pena. Tudo vale a pena. O amanhã é um deus morto até se tornar presente e realidade. Eu me sinto só, mesmo com tanta gente e praia nessa cidade.

Sabe, eu tenho tentando dizer essas coisas todas.

Mas não tenho conseguido.