Um escritor não se perde da escrita. As palavras se deitam atrás de planuras e ficam temporariamente inacessíveis. A capacidade de contar histórias, a beleza narrada nas peculiaridades e mínimos detalhes, a poesia extraída como uma fruta espremida até o limite e a delícia do suco… isso tudo sempre persiste.
Há esta espécie de sono metamorfoseado em outra coisa assustadora, crescente, ensombrecida. O escritor não sente letargia e nem vontade de dormir, mas assim como quando em sono profundo, ele fecha os olhos e a alma divaga para longe e é preciso tomar muito cuidado. O Vazio representa a ruína de tudo.
Vivo a vida, às vezes, no limiar da realidade e desfruto o prazer supremo ao mesmo tempo em que me puno com a dor eterna. A sensação é livre de vícios, mas estar livre de vícios se parece tanto com um vício que a ambivalência da liberdade nos guia para caminhos tortos e estranhos. O que você faria se não tivesse a obrigação de fazer coisa alguma? No que você pensaria se não influenciassem no seu pensar? Tudo é lícito ou há proibições sensatas? Veja como descascamos nossas camadas e nos aproximamos da nossa essência. Veja quantas normalidades se tornaram estranhas e quantas estranhezas se tornaram normais e ainda assim, é preciso ter paciência.
Um escritor não se perde da escrita. Ele é capaz de reviver memórias antigas e fixá-las com os dedos no tempo presente. Quando isso é feito e os olhos salgam enquanto os dedos sangram, é sinal de que essas memórias passadas ainda estão vivas e o que foi ainda é e há muito o que dizer sobre o que não foi dito e agora tudo escorre. É preciso correr atrás do que faz o coração acelerar. É preciso insistir no amor. Quando o mesmo processo é feito e os dedos apenas queimam, verifica-se a prova de que os incômodos já não são tão urgentes assim.
Todos têm sonhos, assim como eu, quase todos pretendem realizá-los, bem como também pretendo, mas nem todos chegarão até eles. Devo me entristecer pela hipótese de nunca me concluir em longas conjecturas hipotéticas? Sei que não devo. Tenho a oportunidade de celebrar alegrias inéditas que nunca planejei. Entristeci pelas coisas que não pude mudar e pelas coisas que mudaram enquanto eu mudava. O que realmente existe e fica perto do nosso controle? Para um escritor, você supõe, que são as palavras? O escritor nunca se perde da escrita, mas às vezes se perde de si mesmo e sumir de si mesmo é tropeçar no fundo do poço. A queda brusca, violenta, deixa-nos completamente machucados. Tentações, perigos e ecos de morte surgem como sussurros insistentes. Apavorados, convivemos com o medo de ceder. Quando a mente não pensa, a voz não sai, o escritor secretamente alimenta a esperança de que os dedos gritem o pedido desesperado de socorro e nem sempre é assim que acontece. Por vezes apenas sufocamos enquanto o resto do mundo nos esquece.
Um escritor não se perde da escrita. Está por conta do ofício obrigado sempre a se escrever, descrever, transcrever. Não é preciso caneta, papel, teclado ou computador. Os dedos seguem o ofício de criar textos e organizar palavras, mesmo de olhos fechados, mesmo na inconsciência ou na consistência do amor. Grandes inícios em parágrafos bem estruturados e finais trágicos em histórias surpreendentes. Não, um escritor não se perde da escrita, mas a escrita pode exercer sua função de ocupar distâncias e preencher lacunas. O escritor aprende e ensina através dos tantos textos. Percebe que, embora encontre neles sua própria voz, o desenvolvimento nem sempre é o mesmo. O escritor evolui conforme lê mais, entende mais e se atreve mais. É preciso mergulhar profundamente em mares selvagens e se defrontar com monstros lendários e esquecidos. O escritor é aquele que sabe que todo inimigo pode ser vencido, embora não compense acumular inimizades ao longo da vida.
Porque a vida deveria ser mais feliz, redonda, mas os problemas que nos cercam por muitas vezes não são solucionáveis e temos o hábito sombrio de complicar tudo o que é simples. As tragédias mundanas não se equiparam com tragédias individuais, pois dimensionamos as coisas com os nossos próprios sentimentos e não com o coração do mundo. Respiramos com nossos próprios pulmões e só nós perdemos e recuperamos o controle de situações pessoais. Somos pequenos e consequentemente nossas angústias não podem ser tão expansivas quanto nossos sonhos. Esquecemo-nos que temos a capacidade para existir ao longe, ecoar nossas vozes e risos ao som de fundo do planeta, como pequenas caixas de som, propagando uma mensagem auspiciosa, que reverbera. Temos o potencial para ser a beleza que renasce junto com a primavera. Merecemos muito mais do que uma vida de sacrifícios diários por salários baixos. Merecemos abraçar nosso protagonismo e viver esse heroísmo que já estava escrito nos astros.
O escritor é aquele que sabe que saber muito vale tanto quanto saber nada. É aquele que possui a consciência de que vidas se gastam, amigos se afastam e tudo muda em uma curva na próxima estrada. Há qualquer coisa californiana no meu coração, ainda que eu nunca tenha chegado perto da Califórnia. Há qualquer coisa noctívaga, ainda que eu tenha nascido perto do meio-dia. Transbordo a minha sensibilidade na demonstração absoluta da minha sinceridade e sou retaliado com a precisão certeira de um costureiro hábil. A agulha entra e sai em pequenas incisões e o trabalho, lento e bem feito, não deixa nenhuma ranhura na costura já pronta. Lançam o manto e me cobrem. Percebo-me na escuridão e sinto as pancadas. Observo, absorvo e aprendo, mas no escuro não me defendo. A cabeça de muita gente funciona de um jeito pequeno. Pudera eu ser mais sereno, mas sou como posso no momento em que posso e sinto nos meus ossos essa sensação como um dever. Faço o que for preciso, consciente de que algumas vezes vou perder. O escritor é aquele que sabe que nem sempre poderá se proteger, mas é também aquele que aprende que nem sempre vale a pena atacar. A lei da vida é que tudo muda sempre de lugar.
Respiração profunda em um interlúdio que faço em mim, assim como Tomas se perguntou, eu também me pergunto, tem que ser assim? Pego-me de cócoras afagando a gata e o cachorro. Nenhum ouvido escutou os meus pedidos de socorro. Aprendi e desaprendi, caí e me levantei, sofrendo com influencias sutis, próprias ou alheias, distraído com um ou outro perfume distante, devaneando com memórias distintas ou lastros falsos, seduzido por ritmos confusos em uma canção perfeita, induzido por algo que não vejo, mas que me empurra e me conduz, que me aproxima e me afasta, mesmo em uma simples caminhada, do meu próprio caminho. Aprendi que a gente só se aprende quando ousa existir sozinho, mas que a solidão demasiada é uma doença sem cura. Quem muito se afasta se desacostuma com a ternura. Quem muito se distrai se esquece das responsabilidades dessa vida tantas vezes dura. Nada pode ser tão leve. Nada pode ser tão pesado. Nos encontraremos em um lugar onde não há escuridão e podemos deixar o passado de lado, sem nunca o esquecer. O esquecimento é o primeiro passo para jamais nos aprendermos.
O escritor é aquele que existe atemporal. Um dia eu vou, todos vão, mas talvez meus textos fiquem espalhados em portais da internet e a vida de alguém se valha outra vez em algo profundamente místico que eu disse sem a intenção de dizer e não me lembro. A grande obscuridade dos verdadeiros milagres é que eles acontecem o tempo todo, mas somos incapazes de notá-los. Talvez eu já tenha escrito algo suficientemente poderoso para mudar uma vida e isso baste absolutamente, mas talvez seja tão insubstancial na minha visão que eu enxergue meus textos como um acúmulo de palavras torpes para aliviar meu coração pesado com a responsabilidade crescente de melhorar as coisas.
Que coisas? Ora, todas as coisas! Desde pequeno devaneio com um planeta sem maldades, porém a pungência da maldade é tão expansiva quanto à da bondade. Meu melhor amigo está certo quando diz que a noção da nossa malícia e potencial para fazer vilezas define a nossa postura principal de vida. Isso não quer dizer que não possamos errar, que não sejamos “maus” de quando em quando, muito menos que os nossos erros nos definem, mas significa que temos que olhar para a nossa vida como se ela fosse simultaneamente séria e cômica. Pender muito para um lado só é se desprender da noção de realidade e absorver-se todos os dias em um cotidiano imaginário é uma armadilha perigosa. Mergulhar em um devaneio sem fim faz com que percamos o fio que nos liga ao que existe.
Os perigos são reais, ainda que não soem como promessas de periculosidade. Há quem prefira viver em cenários hipotéticos e falsos, há quem ignore os males do mundo, os presidentes estúpidos, os vírus letais. Sei que faço de mim o que preciso, às vezes para viver, às vezes para sobreviver, porém não arrisco quem eu amo no meio do processo. Nem o cuidado absoluto garante qualquer tipo de sucesso. Nem mesmo mortes garantem o nosso apreço para com a vida. Toda vida passa e em algum momento é esquecida. Sinto-me como uma pilha estourada, vazando, viscosa. Sinto que, às vezes, só a substituição pode me salvar, mas não me substituo e assim a vida continua. Ajoelho-me e rezo por tudo o que firo e por tudo o que me fere. Oro pelos mortos, mas principalmente pelos vivos, pois por eles não há muitos que velem. Respiro profundamente e olho a vida. Vejo detalhes mínimos e inspiro e solto os meus desconfortos. A minha sensibilidade é aguçada, entretanto, creio de maneira retilínea que poucos fariam por mim o que eu faria por eles. Há maneiras de se preservar ou o único tipo de autopreservação é pela exposição completa?
A alma exposta representa nossa liberdade cantada. Alegro-me por coisas que sinto e por coisas que não sei dizer. Passo o café antes do lusco-fusco, sento-me e, enfim, permito-me relaxar. O relógio marca 17:37h e tenho compromissos, porém ainda não consigo cessar de escrever. O escritor é aquele que nunca se perde da escrita e que detesta veementemente se interromper antes do derradeiro final. Não, a vida não exige finais espetaculares, apenas finais bem escritos, histórias bem vividas, amores verdadeiramente amados. Eu recuo e me disponho a viver outros sonhos e correr por tudo o que sempre quis. Certa feita fiz pouco caso sobre ser feliz. Bobagem! A felicidade é tão importante quanto continuar sobrevivendo e da glamourização dos sacrifícios não pode advir nenhuma espécie de bondade ou resultado positivo. A felicidade é o melhor combustível para se sentir vivo!
Um escritor não se perde da escrita, mas muitas vezes nela ele se acha. Encontra-se consigo mesmo e as peças repentinamente se encaixam. As lembranças, as aventuras, os sorrisos, os perfumes, os momentos, tudo isso fica e permanece, mesmo quando a gente parece se esquecer. Esta tarde, tão quente quanto o restante do dia, morre devagar na promessa de uma noite mais fresca. Somos fugazes como o conceito de dia e nos deixamos morrer a cada sono para renascermos ou somos constantes e empedernidos, montanhas resistentes contra as adversidades? Deveríamos apostar mais nas coisas mais importantes que temos em nossas vidas.
Um escritor não se perda da escrita. Palavras se acumulam em linhas e mais linhas de quem tem a necessidade de rasgar o peito para abrir toda a realidade dolorida. Dolorida e colorida, pois onde há dor, há promessas da verdadeira beleza e do amor. Nenhum prêmio chega sem merecimento e ensinamentos obtidos através da dor nos ensinam por muito mais tempo. Crescemos, envelhecemos, sem nunca nos abandonar. O capitão permanece no navio até o dia que ele afundar.
Não sei que efeito novo a vida velha produz em mim, mas sei que me sinto apto a sentir coisas novas. Sei que o verdadeiro amor suporta toda e qualquer tipo de prova. Sei que sei pouco, mas fiquei rouco de tanto gritar minhas verdades. Outro dia desses sorri ao ver minhas frases em outdoors pela minha cidade. Sou a camisa pesada no varal, resistindo contra o vento violento. Tenho o peso das milhões de partes pelas quais sou formado e olho no olho de cada uma delas. Evoluo devagar. Converso com pessoas para entender mais sobre pessoas e busco uma compreensão profunda do que se faz pela sensação única de que deve ser feito. Vejo a espontaneidade. Vejo a malícia. Aproximo-me. Afasto-me. Torno-me mais inteligente, arguto, capaz, mas uma sonolência de ações se apodera de mim. Não quero me tornar inconsciente através de um processo intelectual e consciente que me faça permitir tudo. Não quero aceitar adaptar todos os meus comportamentos e me tornar alguém completamente novo através de uma hipnose dos sentidos. Tanta gente especula e só eu sei o que acontece comigo.
Um escritor não se perde da escrita. Escrever resume tudo o que ele acredita. Dia após dia, os escritores seguem batendo nas teclas e expondo suas opiniões e sentimentos, suas verdades e seus momentos, ansiando para que tudo isso baste. Tornar-me-ei frio? É preciso seguir em frente com coragem e brio. Um escritor é o arco e também a flecha. Lançado ao ar, ele sobre, desce, acerta e se conecta. Ele pode traduzir sentimentos, sensações, como poucos podem fazer. Quer alcançar o que raramente se alcança. Os cantos que conto traduzem diariamente minhas diversas mensagens de esperança.
A respiração cessa. Escuto um som distante. São os passos que se aproximavam no passado e com toda a sutileza do mundo se aproximam novamente. Como senti falta desse jeito de andar. Os saudosistas felizes sempre estarão com o coração cheio, mesmo que vazios de presenças físicas. Lacunas são preenchidas ou não, há tentativas válidas e esforços em vão. A força deste milagre faz com que eu me sinta exposto. Celebro-me por existir completo, mesmo que não me considerem completamente são. Transbordo o tanto de coisas boas que carrego no coração.
Deito na relva e observo as estrelas na escuridão profusa do céu noturno. Recordo-me de quando uma estrela singular surgiu no portão de casa. Não acreditava na força do Universo até ser forçado a crer em magia das estrelas. Antecipei-me ao que viria, sem saber direito o que de algum jeito eu já sabia. A sensação de amor é inigualável e os que vislumbram dessa sorte, precisam saber aproveitá-la. Não se vive mais de uma vez, assim, não há como verificar acertos e erros, exceto pelo próprio limite consciente. Esticar a consciência infinitamente para comportar tudo e transformar sua narrativa própria em um grito de liberdade, parece-me oportuno e instável. Qualquer um pode se convencer de que não há erros e de que tudo é válido. Isso torna realmente tudo válido?
Um escritor é aquele que se perde e se encontra nos próprios delírios. É por natureza um acumulador de martírios. Acumula-se também experiências e através delas nos moldamos. Temos a capacidade de nos transformar com o passar dos anos. Nota-se pelos textos e pelas experiências que é preciso continuar se expandindo. O mundo é quase sempre o mesmo, mas às vezes parece mais lindo. É quando os olhos, sempre distraídos, interrompem-se para cuidar das coisas frágeis. Nossos instintos geralmente fugazes nos tornam apressados, não ágeis.
Um escritor não se perde da escrita. Escreve para lembrar, escreve para esquecer, escreve para se manter afiado e levar ao longe a compreensão de que é possível seguir. O escritor é aquele que faz uma leitura aproximada do que ainda está por vir. Analisa-se o mundo e tudo o que acontece com a passagem dos anos. Como aceitar que o tempo perdido não foi um grande engano? Aprendemos exatamente o que deveríamos, ou seja, não há atrasos e nem antecipações. Como sobreviver sem carinhos e aglomerações? Há quem tenha perdido pessoas próximas sobrevivendo com frustrações e enormes lacunas. Sinto falta da presença do meu irmão, do cheiro do meu sobrinho e da praia das dunas. Ainda assim, celebro-me. Desta vez estou localizado em mim e isso é motivo de alegria. Não há segredos, mas calei meus medos ao me dedicar mais e começar a viver um dia de cada vez. O meu melhor me basta hoje e se não bastar aos outros, bem, eu posso lidar e conviver com isso.
Que me pungem essas ausências distantes? Tenho desenvolvido a minha ingenuidade corajosa. Tenho sentido que a Vida e a Morte vão me colocar à prova. Por vezes sou excessivamente severo, especialmente comigo. Funciono na base da lei do crime e castigo. Creio que tudo o que vai, volta, mas isso nunca me consternou. Antes acreditar de novo na vida, eu sei que vou ter que abrir minhas feridas e permitir entrar mais amor. O que devo fazer quando não sei bem o que fazer? Pedir conselhos aos mais estúpidos que eu? Entrar em uma reclusão prolixa de sentidos e ações? Será que os que se fingem cegos realmente protegerão nossos interesses?
Um escritor é aquele que não se perde da escrita. Os dedos procuram as teclas, mas há coisas mais especiais do que os textos. Quando minhas mãos se encontram com outras mãos, sinto que a vida não é mais um vagar a esmo. O coração acelera em novos ritos de ciúmes. Em um jantar à luz de velas estou a me render pela fragrância de um tipo específico de perfume. Tudo se cala quando o mundo deixa de existir ao redor. Pode ser só por algumas horas, mas a vida se torna muito melhor.
Um escritor não se perde da escrita. Escrevo por necessidade, por prazer, para não perder a doçura, para não perder o amargor. O ato da escrita é representado apenas pela escrita e tudo significa, mesmo quando não significa nada. Sinto que preciso de um tradutor de mim em mim. A minha língua-espada hoje se defende, mas pouco ataca. Há que se procurar estes meios termos ermos.
Confesso que por longos meses temi e me explicar sobre temores é demasiado prolixo. Lidei com tantos fantasmas, eu admito, ao ponto de recear me tornar um. O que garante que não somos o que não queremos ser?
A cautela nos auxilia nos direcionamentos. Por vezes sobrepujamos nossas próprias ações com atitudes desconexas de nós, completamente sem sentido. Há, porém, raros momentos de vislumbres magnânimos, celestiais e aqui existimos como seres sublimes. Somos punidos por nossos equívocos, mas comemoramos devidamente nossos acertos? Realizamo-nos com coerência? Sustentamos a convicção de que por muitas vezes já atingimos certos ideais que vislumbramos? Somos o que podemos ser e temos as características mais nobres que buscamos, entretanto, sem a validação externa, diminuímo-nos, ofuscamo-nos, apavorados com a nossa própria capacidade de brilhar. Tornei-me arisco quando verifiquei a quantidade de aproximações por interesse. Resolvi, porém, os outros não poderiam ser motivo para me desanimar. Aos outros o que é dos outros e a mim o que é meu. Respiro fundo e sorrio. Desejar a felicidade alheia é um dos instintos mais puros e nobres da alma e noto que não sinto ódio nem de quem me odeia.
A vida é um pasto verde que de repente se incendeia, como no quadro em chamas da fazenda na sala da casa dos meus avós, obra de arte que fez nascer a primeira poesia escrita em mim. Estranhos acasos da vida. Encontrei minhas salvações perto da última saída. Tudo acontece de um jeito surpreende e me inflo de coragem para tentar acertar. Aposto alto, mas sinto que estou completamente alinhado com tudo. Ando devagar, mas sei o que quero e o que preciso. Quando tudo me pune, não fujo, enfrento e se não estou pronto para enfrentar agora, sei que eu estarei em breve. Resisto, incertamente intrigado, certamente contente. Falhei como um mestre em falhar, mas reergui quando fiz um tratado de paz com meus problemas: resolverei um por vez. Não posso controlar o que esperam de mim, mas posso cumprir com o que eu mesmo espero.
Um escritor não se perde da escrita. Medos que não sinto me fazem insone. Sinto medo de um dia sentir medo da fome. Há um garoto em um porta-retratos ao lado do teclado qual agora digito. A confiança é um prato que se come frio, é uma frase que eu inventei e o menino gelado ouviu, mas será que nela acredito? Nenhuma conexão rápida me soa natural. Outra vez o que parecia uma brisa fez na minha vida um vendaval. Deixou-me em destroços e assim me tornei desconfiado. Há acertos que parecem feitos para dar errado.
Há outros lampejos de uma felicidade que chega em uma vida além. A vontade insistente de um beijo do qual não se pode mais viver sem. E subitamente vejo sonhos coloridos nos olhos vidrados dos peixes mortos. Fito os espaços brancos a serem preenchidos com a oração dos nossos corpos. Desejo preenchê-las. Quem disse que uma coruja não pode se apaixonar por uma raposa ou por uma estrela?
Sinto medo e amedrontado sigo na direção das coisas que me apavoram. Um escritor não se perde da escrita.
Há dias que brilho como o sol, mas em regra sou como uma esponja que absorve a sujeira dos outros. Um escritor não se perde da escrita.
Quando chove muito e o céu chora por mim, quando o sol queima minha pela apenas para me fazer arder, quando tropeço em um obstáculo que eu inventei, eu me lembro de que um escritor não se perde da escrita.
Assim, sigo firme e escrevo. Quando tudo me pune e sofro com milhares de ataques, eu fecho meus olhos brevemente e me recordo de que um escritor não se perde da escrita. Independente do sente, ele se adapta, é um mestre em seguir em frente e luta por tudo aquilo que acredita.