Estes são os sentimentos que transcendem o tempo, veja, outrora eu estava ali a todo o momento até que não mais precisasse de mim. Sua frivolidade me entretinha enquanto eu tentava me distrair do seu desamor, sim, eu percebia pela maneira como o clima mudava do quente para o frio quando você chegava e aquela invernia não ornava com o sol que derretia tudo, contraste, era isso o que eu sentia conforme notava a sua tentativa de me antagonizar, você precisava de um bode expiatório, um alvo, alguém que se encaixasse na mira e não repelisse a flecha, assim, sólido e são, eu fui atingido. O sangue pingou no chão e disso nunca me esqueço. Há finais que são apenas começos.
Ora, os dados rolaram e subitamente notei a reviravolta no jogo, olho devagar e reparo na sua obliquidade melancólica na virada para o ano novo. Bem, é preciso se comprometer, prometer e mudar, veja, tudo só muda se você se empenhar e felizmente, apoio-me em mim o bastante para entender que há muito o que não entendo. Fecho os olhos, respiro fundo, espero, aprendo. Por vezes ainda sou tomado por uma ira ancestral, como se o mistério secreto que me compõe urgisse por sair em meu frenesi, porém me revolto para dentro, em silêncio, contendo meu asco, exatamente como uma tartaruga e entro no meu casco, retornando até o momento em que nasci. É engraçado parar e pensar. Outrora quando vim ao mundo eu sabia apenas chorar. Que é mesmo que suponho? Será que a minha vida não passa de um sonho? Há coisas que não aceitam o abandono. Prefiro manter meus hábitos e insistir no ferro e no vinho. Há coisas que só absorvemos quando nos percebemos absolutamente sozinhos. Seus velhos fantasmas até tentaram, mas não me assustaram. Suas provocações me despertaram. Personifiquei-me no menino do coração congelado?
Acordado, enfermo, febril, lúcido, louco, qualquer coisa parecida com o que quase é, você quase me toca quando sobe a maré, chame meu nome, grita, por favor, não some e eu sorrirei, místico, fútil, ancestral, patético, preguiçoso, humano. Confundi gotas d’água com pingos de sangue enquanto me arrastava por um terreno desértico. Onde todos estavam quando não me via? Trinta e nova e meio, quarenta, dia doze, dia sete, aniversário, nove, dois, trinta, um, meu eu especial, fracasso, cansaço, noite de natal. Heróis, vândalos, quem sabe a diferença? O albatroz salvou a minha vida, partiu cedo, sua sentença. Nunca senti tanto orgulho do meu coração, saltei do trapézio, repleto de medo, sem asas e me restou confiar. Alguém precisa me segurar. Cadeira de prata, amizades ingratas, vômito, imperfeição, choro de joelhos, quebrei dois espelhos, catorze anos de azar. O tempo passou e agora é tempo de levantar, então, levanta-te rapaz, você é o que você faz, exija mais, tome da vida o que te pertence, erga a cabeça agora, sem demora, vence. Meu melhor estado é o melancólico, acólito, febril. Meu fardo é sentir um mundo que nunca me sentiu. Faço um desenho feio, grotesco e rio de uma hiena que ri de mim. Sou a mim ridículo, mas não sou pedante. Às vezes me desperdiço, entretanto, sou o mestre das inutilidades e dos instantes.
Ando, desando, avante! Boêmio, vadio, errante. Oscilo, terreno, aéreo, sereno, repleto de mistérios. Não há maneira de não me ser. Tentei de tudo e falhei. Constato, sério, que tenho uma infinidade de motivos para surtar, respiro, mentecapto, viro a chave, mudo tudo de lugar. Sinto orgulho dos meus vexames, sussurro ou calo meus atos grandes, cônscio de que somos todos do mesmo tamanho. Perco-me de mim, perco-me de tudo e na voz eloquente julgo ouvir um grito mudo, qualquer coisa que me transmita algum tipo de esperança. Deus se apresenta e diz que todos podemos luzir, exatamente como as crianças. Percebo-me sorrindo e sigo em frente. A vida parece igual, mas eu certamente estou diferente.