Otário

            Engana-se quem pensa que é impossível assaltar um otário logo pela manhã. A aurora favorecia os êxitos.

            João Miguel subiu na duna mais alta para observar atentamente os transeuntes, porém não parecia interessado neles, afinal, nem eram tantos assim. Seu ar era despreocupado e sua face não demonstrava a mínima intenção do que pretendia fazer. Seus olhos grandes e agudos encaravam o esverdeado mar de Cabo Frio. João sempre se convencia de que era um grande ator, embora ninguém nunca tivesse lhe dito isso especificamente, mas entender o que se passava em seus pensamentos era algo especialmente complicado, principalmente pelo fato de que agia costumeiramente por instinto e ignorava grandes reflexões. Passou a faca da mão destra para a canhota em gestos distraídos. Havia a utilizado o instrumento vezes demais para não saber como agir e reagir. Cada dia que passa chego mais cedo na praia. Não consigo mais ficar em casa. É claro que não consegue, seu otário, cale a boca, gringo. Vai fazer alguma coisa? Foi o que eu pensei. Cale a boca, otário. Isso… me obedeça. É melhor chegar cedo do que tarde. Deus ajuda quem cedo madruga, mas está muito cedo. Não sei se adianta chegar aqui tão cedo. Não sei se…

João olhou para o relógio que marcava 5h57 e refletiu que os cidadãos com jornadas ordinárias de trabalho geralmente começavam às sete ou sete e meia ou até mesmo às oito horas no período matutino. Era justo categorizar e estereotipar ladrões como indivíduos que queriam uma vida fácil se alguns deles se levantavam antes de todo o resto? João riu e se lembrou de não mostrar muito os dentes. Sua presença era discreta, mas seu sorriso era perfeito e brilhante, luzia, assim, sorrir era um gesto impossível. A mãe e a irmã com os dentes tortos e amarelados se enraiveciam pelo que parecia ser um capricho de Deus para o filho caçula que nunca havia ido ao dentista. Os olhares atentos continuavam sua função e em movimentos lestos, João acompanhava a movimentação pela areia. Definitivamente os velhos com suas panças redondas e seus peitorais grisalhos e cabeludos eram predominantes em quantidade àquele horário na praia. Muitos iam na direção da Praia do Forte, quase todos, na realidade e, apenas uns pouquíssimos percorriam o sentido contrário. João estimava que uma centena de idosos já tivesse percorrido a praia logo cedo, quase todos homens, bom, as mulheres estavam certas, eram alvos relativamente mais fáceis e deveria caminhar pelo calçadão onde se avistava viaturas da polícia com notável periodicidade. Elas podem reagir, você bem sabe, quase se fodeu por causa disso, você sabe, é melhor não tentar fazer tudo o que você vê os outros fazendo, otário, você não passa de um otário, mereceu o chifre que levou, otário, segure a onda, o problema é que você é frouxo, cuidado, tome cuidado, não, você só precisa ser um pouco mais vingativo, sim, mais resoluto e duro e irritadiço. Cada dia que passa chego mais cedo na praia… estou pensando muito. Desse jeito vou ficar com dor de cabeça. Preciso parar de pensar.  

Outra vez o relógio: 6h25. Um grupo de mulheres passa e mais alguns velhos em seguida. João reflete que Cabo Frio é realmente uma cidade de aposentados e não fosse pelo mar, a cidade certamente cheiraria a naftalina, pelo menos em baixa temporada. Obviamente em alta temporada qualquer cidade atulhada de gente cheira a suor e lixo. João sorri por alguns segundos, mas retoma o semblante sério com a aparição de seu alvo. Um homem jovem com o celular na mão, erro de principiante, um típico otário dando mole. Guarda a faca no bolso e deixa as mãos segurarem a alça da mochila. Sempre leva uma mochila para o caso de furtar algum objeto grande, mas há só uma garrafa d’água dentro dela. João nunca se planeja e a mãe costuma lhe dizer que isso é um erro grave e que será sua grande ruína, mas com uma espécie de birra insistente na cabeça, João desliza pela duna de areia e desce subitamente, sem pensar, sem se preparar e apenas improvisa no que pretende ser outro assalto.

– Oi. – João diz e posiciona o corpo de uma maneira que dificulte a reação de fuga do homem. Será que ele é desses que foge ou que encara?

– Oi. – Resposta seca. Não é um bom sinal. Já está desconfiando das minhas intenções. Talvez eu devesse ter sacado a faca antes.

– Meu nome é Davi e o seu? – A desconfiança cresce. João pressente que será mais trabalhoso do que pensara. Não conseguiu reparar tão bem no modelo do celular. A tentativa de furto com a possibilidade de confronto vale mesmo o risco? O rapaz é mais alto e musculoso que ele.

– Victor. – Isso não vai nada bem. Tenho que resolver isso logo. Já consegui muito tempo sem que um idoso aparecesse.

– Você é daqui, Victor?

– Sou.

– Daqui mesmo? Daqui?

– Daqui mesmo. Moro perto daqueles prédios ali, viu? – João não se virou. Victor não parecia ser o cara mais inteligente do mundo, na verdade, tinha uma cara de otário e estava sendo mais perspicaz do que João supunha que poderia ao apontar uma direção. O celular qual segurava descuidadamente instantes antes agora estava longe do alcance das mãos de João. O ladrão estava travado. – Davi, com licença, mas eu não tenho o hábito de parar minhas corridas matinais para tagarelar com estranhos e eu nunca te vi na vida. Vou nessa! – O sujeito correu atrás de um desses atletas idosos que passava no mesmo momento. Se fosse tentar algo no desespero também teria que lidar com o velho.

– Peraí! Vamos conversar um pouquinho! – Disse, mas a voz perdeu a força com surpreendente velocidade e o homem foi diminuindo conforme se afastava para partes distantes da praia.

João Miguel retoma seu posto após escalar outra vez a duna. Havia tempos que uma tentativa de furto não se revelava tão destrambelhada. O homem era alto e parecia capaz de revidar ou perseguir, mas se ele tivesse descido com a faca na mão a história seria outra. Por que diabos havia hesitado? O problema não estava na vítima e sim nele. Os pensamentos falavam mais alto do que nunca e João já não conseguia se evitar. As tantas noites anteriores vinham com um lembrete de susto e as imagens eram vívidas. A mãe espanca a filha porque acha que o comportamento dela é indecente. Ela pensa que a filha é uma vagabunda desde pegou o namorado argentino dela se masturbando espiando a garota na porta do quarto. A culpa não podia ser do namorado, mas podia ser da irmã. João tenta inflamar a irmã com a mesma raiva que sente, sugere que saiam de casa, a irmã dá de ombros, diz que Pablo já a espiona há anos e não há o que fazer e, além do mais, a mãe está velha e é melhor não comprar briga, João cerra os punhos como se fosse socar alguém ou alguma coisa, sente uma raiva latente da própria irmã, mas quer mesmo matar Pablo, João provoca novamente a irmã e ela dá de ombros, larga disso seu garoto otário, agora João desconfia de que a irmã e o argentino tenham relações sexuais, João pergunta para a irmã se ela e Pablo compartilham de alguma intimidade, ela manda ele ir tomar no cu, João insiste de maneira truculenta, ela revela que namora Hugo, João pergunta se Hugo não era o melhor amigo gay, se ele fosse gay não me comia, João fica em silêncio e perde a animosidade, mas pergunta o que ela esconde sobre Pablo, a irmã manda João ir pra casa do caralho, a mãe escuta a gritaria e chega xingando a garota, pois sente raiva dela, João não aguenta mais tanto barulho…

João Miguel restabelece agora sua conexão com a realidade. Odeia quando pensamentos insistentes surgem na cabeça e não o deixam. Sabe que faria qualquer coisa para não pensar. Odeia a irmã. Era sua pessoa favorita no mundo e agora não passa de uma vagabunda que dá para o argentino escroto e para o namorado viadinho. Odeia a mãe. Espanca a irmã gratuitamente só por acreditar que ela dá trela para o gringo fudido e vagabundo. Uma vez a mãe deformou a face da irmã de tanta pancada. Odeia Pablo acima de tudo e de todos. Sabe que o argentino espanca a mãe quando chega bêbado. O desgraçado do argentino já bateu nele também. Na irmã não bate, mas possui intenções secretas. Pablo é mais robusto, mais imponente e se comporta como se não tivesse medo de morrer. A próxima vítima surge diante de seus olhos.

Ela é mais atenta que o primeiro rapaz qual abordara para assaltar, mas desta vez ele vai descer logo com a faca e vai pegar o que precisa e ir para casa. Não, talvez não vá para casa. Em casa eles estarão lá, todos os três, talvez mais gente, em casa eles vão me perseguir e me machucar e ninguém liga para os meus esforços e nem dá a mínima pra minha vida, não. João escorrega pela areia e desliza pela duna. Ninguém dá a mínima pra mim, duas vagabundas e um argentino brocha filho da puta, não, eu ainda chego com o que furto com o meu esforço e tenho que comprar comida pra todo mundo, foda-se, cambada de idiota, eu vou alugar meu canto e não ter que pensar em ninguém batendo em ninguém, vou arrumar uma namorada e… João continua seu avanço na direção da mulher. As namoradas que eu tive me traíram, é porque você não passa de um otário, não, não se pode confiar em mulher, minha mãe mesmo não confia na filha dela e talvez esteja certa, se ela tá dando pro gringo imagino pra quem mais ela não tá dando, não se pode confiar em mulher e agora aquele cara lá quer dizer que é meu pai, argentino filho da puta, meu pai sumiu quando eu nem me lembro, ninguém mais pode ser meu pai, ele nunca vai voltar, não se pode confiar nos pais também e nem nos homens, os homens são ainda menos confiáveis que as mulheres, droga, o que foi, seu otário? Cale-se! Eu tenho que fazer tudo sozinho e é isso, João para diante da mulher, ninguém me valoriza, ninguém é confiável, ninguém se importa e parece que ninguém liga para a minha vida, eu não tenho alguém que realmente me ame, eu, para agora, para de pensar, não grita, porra, eu odeio esse argentino cuzão, eu espero que ele morra e quero que minha mãe pague por espancar a minha irmãzinha de graça e quero que uma bomba, cala boca, para de pensar, eu quero que minha irmã fuja com o melhor amigo gay dela e morra com a bomba, ninguém nessa vida vale a pena, para, furta o que tem que furtar e vai pra casa, olha a cara dela, para de gritar, parou de gritar, ela não tá entendendo, fala alguma coisa, fala, vai dividir a recompensa com sua mãe, fala alguma coisa, o argentino viado tá de olho no que você trouxe, parou de gritar, caralho, não trava duas vezes no mesmo dia, não…

– Isso é um assalto! Calminha… Passa já suas coisas que eu não vou te machucar, eu prometo. – Nenhuma resposta. Você pensa que pode me ignorar? – Eu disse que isso é um assalto! Entrega suas coisas, puta! – Nenhuma resposta. João começa a sacodir vigorosamente o corpo da mulher e só então percebe que está deitado acima da cintura dela e os dois estão na areia da praia. O branco suave da praia tingido de escarlate e as ondas empurrando e puxando uma quantidade impressionante de sangue. João ainda se movimenta e nem percebe que está molhado por sangue e sal. Ele ainda desfere facadas sem nem perceber que está com a arma na mão. Os pensamentos não o alcançam e ele continua com uma facada após a outra. O braço ameaça travar e ele cai resignado acima do corpo morto da mulher.

Engana-se quem pensa que é impossível ser preso por assassinato na metade da manhã de uma quinta-feira.

O relógio marcava 8h12 e o rapaz João já estava algemado dentro de uma viatura policial. Não estava comovido com o assassinato ou desesperado com a prisão, mas as vozes que ecoavam no fundo de sua mente faziam com que ele tivesse vontade de se matar. Crianças cantavam em uníssono.

Otário, bundão,

não serve nem pra ser ladrão

Otário, bundão,

Partindo pra prisão,

Otário, cuzão,

Dentro do camburão,

Otário, imbecil

Até o argentino riu

Otário…

Otário.

Você vai sentir esse peso

– Você vai sentir esse peso.

O conselho soava despropositado, tosco, fora de hora, longe do nexo, ainda assim, os ombros agora carregavam uma bagagem que não havia anteriormente. Por quê? Não sabia dizer. A gente é tudo aquilo que pode? A gente é aquilo que nunca mente?

– Que é esse peso? – Pergunto e me deparo com o silêncio em resposta. O conselheiro se foi.

Contrariado, ergo-me e bebo um copo de água gelada. Até nas noites o clima quente atrapalha. Se pudesse escolher, eu hoje tomaria uma garrafa de vinho tinto. Se eu pudesse me entender, beberia tudo sozinho. A gente é aquilo que nunca mente e o que pesa internamente antes do novo dia ter amanhecido? A sinceridade é o melhor caminho para não sair ferido?

A noite ainda é longa, porém, reconheço-me distante da excitante luz solar. Reconheço-me com estranheza, mas sigo inconsciente sobre a minha beleza. O brilho fraco das estrelas é a única coisa que me impede de (me) apagar. Venço o estado soporífero. Escuto vozes, velozes, pessoas correndo, fazendo barulho, frenesi louco, ebriedade costumeira, cruzam a madrugada, todos atravessam, arriscando-se, morrendo porque desejam viver. Se eu pudesse recuperar tudo aquilo que havia perdido. Se eu ainda tivesse as chaves para voltar para a orgia de meu sofrido mundo proibido. Se as coisas simplesmente não doessem como doem.

– Você vai sentir esse peso e conhecer essa dor.

A dor não se evita. Acendo uma vela e fito a chama acesa. Este momento é meu, embora nada mais me pertença. A luz bruxuleante queima a cera e toda a minha esperança ingênua se projeta na sombra. Não sei explicar, mas falta algo lúcido e próximo, possível e real, algo esquecido e deixado de lado pela prece de horas sombrias. Não posso ser o foco, entretanto, desejo ser a fogueira que queima através do tempo-espaço, o fogo que nunca apaga e que ilumina caminhos. Jogam-me água. Os que se importam logo desistem e os que apenas não ligam o suficiente se utilizam das situações. Sinto o peso de me sentir solitário em uma existência compartilhada por bilhões.

– Você vai sentir esse peso. Vive no mesmo mundo que eles. Carrega o inevitável fardo de compartilhar seus êxitos e revezes.

Penso nos outros que ousaram ter coragem em épocas mais sombrias e continuaram lançando-se em horizontes densos e escuros, engolidos por violentas tempestades, resistindo, sobrevivendo, minuto a minuto, entre a vida e a morte. Ansiando pelo futuro e contando apenas com a sorte. Sobreviviam pelo ofício, pela recompensa ou pelos que os esperavam? Penso nos que pensaram além de si mesmos, nestes raríssimos que deixaram o egoísmo de lado e se preocuparam primeiramente com a missão do que com os louvores individuais. Penso ainda que nenhum pensamento é único e a repetição é a única tendência infinita na existência, pelo menos enquanto existirmos. Vai desistir da sua vida como se ela não se importasse? Fortaleça-se!

– Você vai sentir esse peso e vai decidir. Chegará o momento em que vai entender se vai se erguer ou se vai sucumbir.

As dúvidas serão incontáveis, o conselheiro avisou, mas se a missão deve ser cumprida é porque talvez exista algo maior do que o próprio amor? Quiçá para uns, certamente não para outros. Silêncio do conselheiro compartilhado por aquele que foi aconselhado. Se existe algo maior, ele sente que deve descobrir e resgatar. Conclui descuidadamente com uma frase de efeito: aquele que sacrifica a felicidade individual para que o mergulho nos aprendizados seja intenso e lúcido o bastante será recompensado e nas profundezas de nossos próprios lagos, enfim, poderá achar suas próprias respostas, acaso não seja assim tão raso. Risca um S.O.S na areia e pensa em quantos pedidos de socorro foram feitos nos areais, céus e mares. Quantos pediram ajuda e morreram antes dos heróis chegarem?

– Você vai sentir esse peso, garoto.

Disse-me, entretanto, certamente sem notar que doze fios de cabelos grisalhos despontavam em minha cabeça. Sou contra comemorar novos aniversários para que eu nunca mais envelheça. A idade atual se esvai, assim como a chama da vela, sim, ela ainda queima e sobrevive diante de outra aurora, defronte a outra despedida. Regente da madrugada, príncipe de melhores horas, ele se levanta poderoso e aproveita o breve momento de reinar. Sabe que eventualmente vai padecer. Está cônscio da possibilidade de falhar. Dragão das manhãs, réprobo do crepúsculo, quase sempre me senti fora do lugar. Segui sentindo na pele todo o mundo que nunca me sentiu, notando e abraçando quem não faz questão de se importar. Sofro a angústia inevitável de ser quem eu fui e choro. Às vezes a comoção abarca o Universo e às vezes resumo a felicidade em um verso solitário que escrevo quando estou sozinho. Às vezes a vida o fustiga e o frustra. Às vezes é melhor continuar na busca. As fatalidades exteriores não existem? Qual é o verdadeiro sentido que nos guia?

Sinto o peso do que não vejo e ainda vive em mim. E sinto os desejos que tenho desde que nasci. E sinto o ensejo do caminho que escolhi. Eu vou carregar esse peso. Verei de perto situações degradantes, cafajestes, trastes, viciados e bajuladores. Superarei o medo e não vou me acovardar. Vou ver a maldição do mundo e me recordar dela em uma lembrança olfativa e adocicada que me causará ânsias de vômito. E vou observar o caótico cenário político e diversos documentários e crises e fins de mundo tão terríveis e chocantes quanto à continuidade da vida. A alma agora se embriaga, mas a essência antes perdida, parece-me, enfim, encontrada. Ninguém vive nesse mundo longe dos perigos. Podemos evitar e chamamos de inevitável. Desvios de rotas são imperdoáveis. Choro melhor quando choro sozinho.

Dirijo meu carro e os olhos marejados tornam as luzes de faróis parecidas com as estrelas. Ofereço um breve aceno tentando entretê-las. É uma metáfora literal, mas vejo a vida conforme atravesso uma nova porta. Alguém situado lá em cima me nota? Retorno-me ao ponto de não retorno, ignorando a placa da proibição. Cada olho enxerga uma realidade diferente. Há tantas realidades assim? O que você seria sem as pessoas que você conheceu? Eu perdi a minha pedra de signo e o meu dado de vinte faces. Nunca mais me encontrei. Nunca mais encontrei os objetos. Aguento o dia árido. Vou sobreviver hoje mesmo tendo sentido o peso. Vou entender que a minha felicidade depende do que faço de mim e, assim, farei algo. O protagonismo, a vela, o fogo, a vida, o jogo, o que sufoca e o que nos torna leves, as responsabilidades e quem decidimos ser, o gosto podre de fracasso, a inebriante sensação de vencer. Muss es sein? Es muß sein! Tomas não tinha certeza. Quanta certeza cada indivíduo pode ter? As mortes de todos os antecessores e parentes queridos, as vidas inúteis de tanta gente que se machuca sem nunca ter merecido, as traições, as angústias, eu quero carregar esse peso. O inferno, a luxúria, a oportunidade não é menos do que o que vejo. Perito em enfrentar os problemas, eu me ergui fora de lugar. Não existe moldura qual eu possa me encaixar?

E o cansaço de alma que me persegue avisa que espera por uma chance de me sobrepujar e me vencer. Sinto-me triste, exausto, cansado e indefeso. Ainda assim, eu vou me levantar e lutar. Eu decidi carregar esse peso.

E o conselheiro sorriu com sinceridade em resposta. Sussurrou sua confissão:
– Essa sempre foi a minha aposta. Confia no teu coração.

E as luzes piscam para àqueles que sempre estão com os olhos acesos nas janelas amarelas das cidades. Não importa a carga, ele quer carregar o peso. Essa é a sua única verdade.