Véspera

            Amanhã é meu aniversário e outra vez não haverá celebração. Consterno-me com isso? Se devo reconhecer algo é que o meu aniversário do ano passado foi excelente, apesar dos pesares. Dois mil e vinte foi um ano de altos e baixos, mesmo com a morte de milhares. Eu realmente gostaria que o cenário fosse mais auspicioso e que toda felicidade não me parecesse tão distante assim. Quando o caos do mundo faz um barulho ensurdecedor, você consegue se manter reto e discreto com a memória do amor? Quando tanta gente fala, você se cala e escolhe o que é melhor para você ou fecha os olhos numa jornada hedonista que visa só o prazer? Os outros sabem pouco e pensam saber tudo. Sei que estive perdido e solitário por tantas noites que, às vezes, eu sinto que definhei sozinho em uma madrugada de janeiro e fui esquecido para sempre. Sinto que minha mente de ficcionista, expansiva e dominante, criou novos mundos para que eu pudesse existir, pois mesmo derrotado eu nunca fui o tipo de pessoa que desistia de algo tão precioso como a vida. Por onde andei? Alguém realmente me procurava?

            No início do ano, eu estive presente no hospital no dia do nascimento do meu sobrinho e sempre me sentirei privilegiado por essa oportunidade. Tantas caminhadas na praia das dunas e como consequência apenas sol e alegria nenhuma. Minto. Estar próximo do meu irmão me trazia felicidade e poder abraçar ele e seu filho no dia 04/01/2021 vai ser sempre das maiores coisas frágeis que pude contemplar na vida. É estranho, mas tento me agarrar nestes pequenos milagres para seguir adiante com coragem e não pensar na gigantesca onda que quase me afogou. Fui empurrado até o fundo do oceano por essas coisas horrendas e tudo o que eu sentia na boca era o gosto de água salgada. Lembro-me da nossa primeira despedida, depois de dias, depois de tantos jogos compartilhados e risadas e açaís e sorrisos… ainda meses antes da chega do pequeno Rodrigo. Os rituais lentos de Matheus, os meus gestos rápidos, a cumplicidade de quem se importa em se lembrar ressaltando a importância de não se esquecer no meio do processo. Eu te amo como você é, mas você pode ser melhor, eu disse para ele e absorvi meu próprio conselho. Eu sei que me agrada, mas não sou viciado na imagem que se reflete quando olho no espelho. Fosse eu viciado na própria imagem, tentaria viciar os outros nela também e assim adquiriria coisas por atalhos. O hedonismo me diz que devo desfrutar de todos os prazeres, ignorando todo o resto, se o posso. Sou esta figura narcisa retratada por Wilde a mais de um século? Matheus então zomba de quem precisa tanto da própria imagem. “Não é você que me diz, Dani, que quem só olha para fora nunca enxerga o que existe dentro? Temos defeitos, irmão, mas podemos mais”. Sempre pudemos. Choro ao me lembrar de como alguém esquecido como ele foi capaz de gravar minhas palavras. A ilusão é o primeiro dos prazeres e muita gente se contenta com as mais baratas. Detesto essas ambições tão rasas. Volto na questão. Poderia eu ser retratado por Oscar Wilde?

            A resposta negativa me fez suspirar longamente. Não sou e nunca serei escravo da voz alheia, mesmo que reconheça o poder do privilégio. Todos fitam sua imagem e você tira vantagem destes tantos ébrios. O sorriso pernicioso percorre atalhos e você se pega em um ponto complexo, ainda que simplório. O que pensaria ao fitar seu corpo no próprio velório? Você encara a velha confusão entre quem se perde nas definições de liberdade. Até mesmo os mais livres se pegam, de quando em quando, contemplando seus dilemas morais. Vivi, chorei, acertei e até me emocionei. O que é que faço de mim quando me reconheço? O que eu me represento se nem eu mesmo me obedeço? Fiz de mim o que não soube? Amo-me o suficiente, mas por vezes desejei ser qualquer um que não fosse eu. Busco estradas para locais seguros, mas piso em armadilhas óbvias e me machuco. Os réprobos me salvam, mas querem compensação. Sinto que os compenso, mas será que realmente os compenso? A realidade dói quando sei que mereço coisas boas e elas se afastam. A vida inteira parece um teste de matemática e não tenho minhas professoras para me tranquilizarem sobre os números. Quando o mundo se apaga, vozes traiçoeiras nos empurram. Às vezes os mais próximos nos afundam. Parto para o ataque e me reteso. Não acredito em Deus, mas às vezes rezo. Posso mesmo carregar todo este peso? Admito que tropecei muito e até me perdi de mim. Será que tudo tinha mesmo que ser assim?

No meio desta cronologia maluca, eu me peguei desconhecendo as razões de fazer o que eu fazia. Vivi incontáveis madrugadas de silêncio violento. O tiquetaquear do relógio ribombante transforma meu coração em uma bomba relógio. Se eu explodir esta noite estarei completamente sozinho. Pelo menos meus destroços não machucarão nem mesmo meus vizinhos. Penso mesmo na saúde do vizinho de casa? Eu que sempre fui rei dos céus nunca mais pude abrir minhas asas. Estranho é deixar de pensar nos outros quando os outros sempre estiverem em primeiro lugar no meu coração. Sofri e quase me afundei. Nos meus instantes de força bruta e lucidez, eu nadava até a superfície e recuperava o ar. Algumas pessoas me puxavam de volta para me chutar para o fundo do mar. A solidão crescia no meu peito enternecido. Cada dia eu era mais cônscio da vileza do mundo e da quantidade de perigos. Endureci sem nem perceber. Senti a minha força expansiva de sonhar esmorecer. Talvez a vida não seja muito mais do que sofrer e fazer sofrer. Talvez devamos valorizar os que nos ensinam sobre Beleza e Dor.

Continuei a ver a vida, mas deixei de senti-la. Andava, mesmo que não sentisse minhas pernas. Comia mecanicamente, como alguém que se esquece de que nem todas as refeições carregam o mesmo aroma e sabor. Flutuava pelas noites e dias como uma sombra discreta de mim, eco distante da minha totalidade. Não sentia vergonha de coisa alguma. Não sentia orgulho de coisa alguma. Tornei-me fantasma. Deixei de escrever e senti que havia perdido tudo. Sabia, ainda que não trabalhasse para me evitar, que se me perdesse das palavras estaria desmaiado para com a verdadeira vida. Não tinha força para buscar tudo o que estava longe. O que me fazia continuar? Os milagres que eu já tinha visto ou os que eu esperava ver? O que me levava ao autoabandono?

Até hoje não sei identificar com precisão o momento em que eu me afastava dos caminhos que tanto amei, mas olho para minhas culpas e as enfrento, mesmo que elas ainda me assustem de quando em quando. Nunca clamei por atenção, mas há outras maneiras de gritar socorro. Só não sucumbi pela presença dos meus gatos e do meu cachorro. Só os medrosos podem agir com coragem. Só os valentes caminham para a escuridão quando o resto do mundo congela, mesmo com as pernas trêmulas.

Sou fogo que arde e minha luz iluminou, no mínimo, uma dezena de pessoas, mesmo quando me esqueci do meu valor. Oscilo, mas continuo em frente em nome do amor. A vida é difícil, mas ainda vou existir longe, brilharei no horizonte durante minha próxima cena. Serei sutil e profundo como um poema. Sei que muito errei e que de quase nada sei, mas viver sempre vale a pena.

A virada de fevereiro para março me trouxe de volta velhas novas esperanças e o sabor esquecido de uma felicidade real. Vivi noites de natal em pleno carnaval. Sofri e aprendi. Errei e me aprimorei. Sou o mesmo, mas sou alguém melhor. Sinto que quando olho, encaro o cerne de tudo e me sustento em temperança. Se tenho a oportunidade para mudar tudo com as minhas próprias forças, eu sei que um dia por vez vou perseguir o que sempre quis. Nunca mais nessa vida subestimo a oportunidade de ser feliz.

Sinto falta de muita gente, mas ando destemido e contente, agindo como um adulto, mas mantendo meu coração de menino. Não sei o que haverá pela frente, mas sinto segurança no coração e na mente para correr atrás do meu destino.

Neblina Espessa

Essa neblina espessa, veja, eu sinto que posso tocá-la. Ontem senti sua falta pelos quatro cantos da nova casa. Esta casa atual é muito maior do que a outra, mas às vezes sinto saudades de quem eu era. Estranho, eu sei, como quem quer forçar o inverno em plena primavera. Inadequado, eu sei também, tal qual vestir uma antiga roupa que já não cabe mais, mas a gente possui essa estranha mania de querer o que se quer, não é? E às vezes aposta muito nos outros e pouquíssimo na nossa própria fé. Roupas ultrapassadas, apertadas, antigas. Talvez seja melhor doá-las. Memórias desgastadas e coisas esquecidas, esculpidas relativamente, desejos de fantasmas que estão mortos, mas ainda sentem, o apelo desesperado para que a alma seja notada. Você consegue perceber a sutileza deste sentir? Você consegue sentir falta de quem se foi, respirar com calma, perceber que está tudo bem e sorrir?

Essa neblina espessa, eu sinto que posso tocá-la. A fumaça cansada lançou seu manto sobre a cidade e eu não vejo nada aqui desta sala.

Recordo-me das noites incomparavelmente melancólicas nas quais nunca houve outro ser humano que fosse mais triste do que eu. Recordo-me da voz de Lord Huron falando sobre fantasmas, prazos, fins e tudo aquilo que eu perdia, mas que hoje nem sei se me pertenceu.

A janela anunciava luzes e a cidade piscava convidativa. Esta noite qualquer apelo do corpo para lembrar a alma de que ela ainda está viva.

A janela de novo e minhas epifanias. Nestes vislumbres notei que a vista não era apenas feita de melancolia. Às vezes reparava em alguém que cruzava a rua durante a metade do dia. Mãe e filha de mãos dadas caminhando distraidamente até a igreja, o trabalhador em obras com a camisa suada e pensando em todas as suas despesas ou até mesmo eu de longe, distante da figura que tanto aprenderia a conhecer no futuro. Na janela de mim, observo-me passear com o cão Link pelas esquinas que serão esquecidas. Ele caga, eu recolho as fezes. O mundo seria melhor se todos nós fossem dispostos em recolher as fezes? Acumulo de revezes.

Acordo e vou até outra janela. Bom, eu confesso com uma infelicidade resignada que acordei 5h15 para esperar o nascer do sol. É o meu último dia neste prédio e ontem a noite havia decidido que não perderia essa chance. Quando temos a rara consciência do momento exato de nossas despedidas, podemos ser mais dedicados em torná-las especiais.

Os prédios não falam ou pelo menos eu nunca pude ouvi-los. Acordei cedo, mas ainda antes a neblina havia os engolido. Procurei uma caneta pela casa e não a encontrei. A angústia cresceu em meu coração subitamente. Precisava rabiscar sangue no papel. Esfreguei a ponta da caneta. Havia acabado o sangue. Usei a minha própria tinta para começar o texto até que percebi que não havia mais. Os dedos gelados agressivamente começaram a bater nos teclados e eu já não conseguia parar.

A janela continua perfeita, mas o céu se fez difícil na minha despedida. Talvez eu não mereça hoje essa melhor vista. A neblina e as nuvens esconderam completamente o céu, mas insisto nesta minha fé cega ou na pesquisa científica para acalmar meus nervos e repetir devagar em um intervalo de respiração. O sol aparece amanhã de manhã.

Sinto um calafrio que percorre toda minha pele. Sou quente e feito de emoção, batida rápida de coração e não há invernia que me gele.

Dominado pelo cansaço sinto um frio que ocupa todos os meus espaços e fecho meus olhos tendo a esperança de dormir. Abro os olhos e encaro meu erro crasso, é o dia final para a mudança, eu preciso correr e sair daqui.

Despedida.

Dei azar esta manhã
Suponho que talvez a culpa seja divina
Não tenho rezado nem em silêncio
Minhas únicas orações consistem em
longas olhadelas na BR 163
Talvez os caminhoneiros precisem de Deus
Talvez o vejam nas luzes de seus companheiros
Cruzando o breu da madrugada gelada
De certa forma é triste a constatação, pois
Eles não passam de uns fodidos assim como eu
Os infames seguem em vantagem
Embora sejam patéticos na essência
São belos em suas cascas
Quem quer descobrir se ele usa máscara?
Quem quer interromper o encantador de serpentes?
Se o capuz serve e não machuca a corrente
Deixe que prevaleça o conveniente
Apenas deixe
Cada um veste as roupas que necessita
para cobrir o próprio frio
Sugiro isso, mas nem sempre pratico
Cometo mil erros, mas não cuspo pra cima
Sei não ser ridicularizado por mim
Eu já sou ridículo o bastante
Quem consegue ser ridículo menos
de duas vezes na semana?
Mas a vida é algo imprevisível
Os infames possuem mesmo a vantagem
Os falsos se sobressaem 
É assim que a maioria gosta
É assim que a banda toca
De que lado estou?
Adiantou ser “bom” durante uma vida? 
Há calmaria neste novo lugar
Há tranquilidade sem desdém
Há boas pessoas, porém,
Há outras formas de amor
Infelizmente elas não me servem
O coração é teimoso e anseia por especificidades 
Vou apunhalar os bons costumes
Provar-me do contrário
Percorrer a vida na contramão
Ser o maldito colecionador de borboletas
Repugnante destruidor de sonhos
Sim, almejo estar entre os réprobos 
Ser o maior deles
Desferir socos e pontapés em meus rivais
ainda que estejam deitados
Minto para tentar parecer cruel ou sensato
Ficcionista forçado aos fatos
Mais de vinte anos de tentativa de justiça
Sem possuir fidalguia, tento agir com nobreza
Para no fim das contas ser o alvo favorito 
A mais suculenta das presas
Arre, vocês me deprimem
Covardes estúpidos e arrelientos 
“Não serei nunca como vocês”, bradei um dia
E hoje vejo que posso cumprir a promessa
sem ser zombado
Veja bem, há potencial para que se vá longe
Você pode ser o pior de todos, se tentar
Vai tentar?
Covardes é que se escondem em pretextos
Farei ou deixarei de fazer em nome do amor
Viajarei para ver o mar ou para encontrar
certos prazeres que tenho me negado
Critica os que dançam na avenida,
mas busca sua própria maneira de gritar
Ao mundo a significativa existência
Ah, admita 
Eu fui sua escada
Use-me
Use-a
Deixe-se usar
Deixo-me usar
Deito-me
Faça-me chão
Faça-me tapete
Faça-me
Faça-o
Falo, mas não em nome do amor
O que diria em nome dele?
Não faço juras em Deus
tampouco sacrifico minha ética
Por qualquer dos amigos meus
E daí? Converso e falo, mas repito
Nunca em nome do amor
O amor fez pouco em meu nome
Encaro a vida com um persistente ardor
Enquanto o que importa some
Barulho irreconhecível e som pavoroso
Ininteligível eu escuto um recado estrondoso
Corro a mão pelos cabelos e penso
A vida, a morte, o além da vida, o além da morte,
o definível e o irreal e o além do definível e irreal
O computador, os dados, a metafísica, o imensurável
As loucuras que nos possuem e podem trazer benefícios
A aventura sonhada na grande terra do impossível
Soluço, solidão, síntese, sinestesia, sinergia, siderurgia
porque tratar o aço também é importante
Olho para a BR-163
Quanta gente passou por ela
Quanta gente morreu nela
E eu aqui a observo com a presença discreta
e a alma repleta de desejos pueris
Ah, mas já não era a hora de abandonar
todas as tolices dos tempos de moço?
Não é hora de amassar os papéis dos lindos sonhos
e se contentar com o mero esboço?
Já não quero mais os resgatar, mas sim me juntar
aos esquecidos no fundo do poço
Meu melhor estado é o febril
Sinto melhor o mundo que nunca me sentiu
Será que nunca mesmo?
Ouviram meu choro em trinta e um de março
do ano de mil novecentos e noventa e dois
Eu também estava febril
Na adolescência comprei brigas 
Salvei a vida de minha mãe
Vomitei e tremi por quatro anos
Tudo passou, mas a memória ficou
Não importa mais pelo que passamos
Será mesmo que não importa?
Toda memória é descartável?
Acredita que sonâmbulo e fora de mim
Eu li o livro três da Crônica do Matador do Rei?
Rothfuss nem havia o escrito, mas com quarenta graus
Isso nem interferiu
Beirando à insanidade
Nos limítrofes finais da realidade 
Outra vez minha alma sorriu
Assim peço para que jamais se desespere
Desconsidere minhas declarações apaixonadas
Não por serem falsas, mas sim exageradas
Tenho uma tendência ao eterno e ao drama
Rio dos falsos espertos
Metralhadores de opiniões que só atingem espectros 
A frase matreira em busca da fama
O soldado ambicioso escondido à paisana
Homens nus nos desertos
Lamentáveis suínos banhados de lama
Ah, mas são valentes
Corajosos guerreiros da virtude
Não compreendem os movimentos, mas
Intrépidos erguem os punhos para o combate
Corpos adultos com personalidades de bebês 
Bois dopados correndo para o abate
Ah, mas como enchem a boca para xingar
Mania de civilistas mimados e frescos
Fascistas, nazistas, baixistas, flautistas
Vocês todos não prestam
Comunistas, petistas, direitistas, clubistas,
OPORTUNISTAS
Tantos berros narcisistas
Vocês são mais da mesma remessa 
Pedem calma na hora decisiva
Chutam o balde com toda pressa
Querem a estrela no peito ou na testa
Odeiam as coisas como são 
Arrancam as roupas os ativistas em festas
Alegam que foi pelo bem da nação
Tentam provar seus motivos louváveis
Para prosseguir com a vituperação
Aparentam ser afáveis, porém,
Suas ideias são vendáveis
Prostitutos por atenção
Não arrumam nem a própria cama
Ainda assim passam toda a semana
Muitos tantos só com o dinheiro dos pais
Príncipes da própria trama
Tanto falam e nunca se enganam 
Prisioneiros no próprio cais
Falsos miseráveis intragáveis
Tão cheirosos em seus caros perfumes
Os caminhos são irrecuperáveis para
Quem se acostumou a comer estrume
Belos rostos se convertem em faces de escárnio
Ironizam-me no ápice do azedume
Ah, mas eles sempre sabem mais
É bom que você se acostume
Eles te deixarão para trás
Perfeitos nunca sentiram ciúmes
Professores dos conhecimentos ancestrais
Chutaram o rabo dos mestres de artes marciais
Amam seus reflexos nos vitrais
Na noite de morte, eles são todos vaga-lumes
Que direi eu que escalei o primeiro patamar
à bilhões que estão no cume?
Ah, mas não direi palavra
Gargalharei de tudo e criarei um verso
Visto uma roupa desbotada
Arremessarei longe meu único diamante
Que ninguém o encontre nas profundezas do mar, imerso
Sigo em frente, desafiante
Recuso a prescrição de calmantes
Quero entender o Universo
Vejo tudo, exceto eu mesmo
Como posso me revelar sem me envergonhar?
Pois às vezes tenho me envergonhado sim
Quem não riria se eu dissesse que tenho
todos os sonhos do mundo em mim?
Tantos outros disseram isso antes que eu
Suponho que estejamos todos pirados
Espero que me entenda, nasci em 1992
Ouviu bem? Seu grande idiota! 
Sou dos anos de devaneios sobre o amor
Sob a luz do luar, eu ri de criativas lorotas
Sigo no meu próprio nexo
Nunca digo “oi, quero sexo”
Atitudes e palavras devem 
De quando em quando
Ter algum valor
Ah, mas neste mundo vasto
Talvez um dia possam me convencer
Vocês são a felicidade em fiasco
Eu triste ao menos me basto
Tenho muito o que aprender
Sou ridículo quando falo de fantasias
Deprimente quando mostro as poesias
Sirvo bem de escudo para os covardes indecisos
Perco amigos
Sirvo bem de escudo para os que precisam de um alvo
Perco a família
Sirvo bem de escudo para todos
aqueles que se promovem em confusão
Sou alvejado por todos
os que vivem em falsos personagens
Perco o convívio com a sociedade
Sozinho quem liga para a vaidade?
Vou vagar para um mundo sem fim
Ninguém me precisa
Nem eu mesmo preciso de mim
Embora não tenha me perdido
Tenho a voz péssima, mas canto
Orgulhoso de transmitir uma mensagem
Os sapos não se importam tanto
Aproximam-se de mim pela margem 
Do rio onde faz frio
Choro sem perceber
Seco meu próprio pranto
Meus desejos minguam e voltam
Sou incapaz de ver miragens 
Trabalho para juntar dinheiro
O trabalho dignifica o homem
Disse um homem morto uma vez
Não me sinto mais digno
Almoço com os viajantes
Aposentados, famílias e solitários caminhoneiros
Uma mosca esfrega as patas de olho no que tenho no prato
A paisagem ao fundo parece um desenho
Na contemplação, eu empaco
Poderia passar algumas horas aqui
Descrevendo as cores do céu e dos caminhões
Homens e máquinas no meio do nada
De certa forma todos estamos sempre sós
Pequeninos e inúteis sóis
Na imensidão de uma infinita estrada
Exupéry viu o mundo de cima
Vinicius de Moraes viu-o por dentro
Os caminhoneiros o veem em linha reta
Assim como viu os humanos, Fernando, o Pessoa
Cogito destruir aquilo que mais amo
Como disse que Oscar Wilde que toda pessoa faz
Chego atrasado, como é de praxe
Já destruíram tudo antes de mim
Todo esse caos
Tem que ser assim
Desanimo, mas me levanto
Penso em cantar meu próprio ser
Como faz o galo perto do posto de combustível
Como fez Walt Whitman
Canto eu mesmo
Ansioso por celebrar-me
Já que sou sólido e um dia não terei mais corpo
Paro e respiro profundamente
A gente não é o que mente
A gente não é nada que não tente
A gente é mais do que o que sente?
Pelo menos alguns de nós entendem
A gente é apenas o que sente
E agora o que vai ser, Daniel?
O que resta do mundo para você?
Agora que encontrou o rabo do cometa
A inteligência e a revelação te isolarão
Por que de repente fiquei mudo?
Estarei satisfeito no estágio final do começo de tudo?
A sina da inteligência é a perturbação
Os que muito sabem perdem a capacidade
De serem realmente felizes
Ah, mas quem é louco para querer ser apenas feliz?
Querem o riso geral do público, humoristas
Eu quero a minha cerveja preta e meu cachorro, Link
Eles querem dinheiro infinito e
a posse dos objetos
Eu quero ovos mexidos e
chocolate amargo
Há um limite para o quanto
posso aguentar sem chocolate e café
Eles querem ser singulares e reconhecidos
Querem o suprassumo do prazer
Eu quero muito meu gato Hadec miando
Avisando sobre sua fome ao amanhecer
Querem tudo e com tudo não se satisfarão
Detentores do novo mundo
Reis e rainhas da ilusão
Não há um deles realmente colhudo
Para admitir que ame o circo e o pão
Heróis repletos de conteúdo
Personificados em insurreição
E que parte tenho nesta terra?
Ouço eu mesmo dizer
Nesta infinita treva em guerras
O pouco que me resta pode se perder
Ah, mas eu ainda procuro
Embora esteja à beira do colapso
Levando tiros no escuro
Completamente seguro
Meu corpo fechado é feito de aço
Só consigo me fingir surdo
No calor de um abraço
Chorei ao ouvir uma música italiana no carro
Sentindo-me não mais que uma criança
Lembrei-me de esculturas de barro
Ergui-me pela própria temperança
Minha mãe dizia “você é raro”
Prossigo minha andança
Seria bom ser hábil na dança
Valsar com um novo amor
Bem atados como um laço
Compreender meu lugar e espaço
Girar no mais perfeito compasso
Deleitar-me em teu sabor
Aproveitar-te toda e nua
Dando de ombros para a nova face do fracasso
Aceitando a expressão da alma literalmente crua
Em essência me aceito crasso
É como se ao acender um novo maço
Eu retornasse eternamente à mesma rua
É como deve ser
A morte não anuncia retornos
Espero que alguém um dia espere por mim
Espero que um dia todos os fantasmas
na costa da praia me lancem olhares calorosos
No baile animado de teus olhos mortos
Acharei tudo o que preciso
Ainda que eles sejam seres sem corpos
Eu os saudarei, pois por tanto tempo os procurei
São minha face do Paraíso
Ah, mas no fim de tudo, tudo, enfim, tudo tanto faz
Minhas memórias parecem feitas de veludo
Brilhos fracos em uma vida fugaz
Há lampejos de luz em um caminho qual costumava ser escuro, mas
Em um breve sussurro, eu juro
Não volto nunca mais
Adeus para sempre.