UM DIÁLOGO BASEADO EM FATOS REAIS.
Quando me dei conta, eu senti meus pensamentos comprimidos uns nos outros e uma vontade crescente de falar sobre a minha tolice sentimental em um descarrego.
– Vivemos em uma sociedade de frouxos e covardes. Não nos ensinam hoje coisas como ensinavam antigamente. – Ele respondeu com seriedade e me viu assumir uma expressão zombeteira. Sempre que alguém surgia com aqueles papos, eu fazia um imenso esforço para me controlar e geralmente falhava.
– Eu adoro suas inflexibilidades e discursos sobre os anos antigos. O que mais você gostava? O machismo? O manuseio de armas? O puritanismo? Você acha que o mundo ia melhor quando todos compareciam nas santas missas aos domingos? Percebendo o meu sarcasmo, ele se deteve antes de continuar.
– Você acha que a vida se resolve nessa distração toda?
– Não sei se estou acompanhando o brilhantismo dos seus ideias e pensamentos.
– Olha, você bem sabe que vivemos entre frouxos. Eu não estou deificando nosso sistema atual e nem o antigo, vários problemas nunca são resolvidos. O racismo ainda existe. O preconceito de todos os tipos ainda existe. Os homossexuais ainda não podem ter paz absoluta. Os ricos ainda se separam dos pobres por opção. Não é sobre isso que eu estou conversando. A questão aqui é a sociedade não lida com pressão. Esquecemos o valor do dinheiro e a necessidade do trabalho contínuo. Qualquer problema é o fim do mundo para o novo ser humano e ele se acostuma a desistir de algo só pelo fato de que não lhe traz coisas boas. Há ainda o exagero sentido em pensar na coletividade.
– É bastante complicado escutar seus discursos, pois transcendem a realidade e tenho a sensação de estar lidando com um robô. Existimos sozinhos, mas vivemos em grupos, como não pensar nos outros? E você diz que a maioria das coisas não mudou, mas já parou e pensou que a culpa pode ser nossa? Esquecemos de nos enxergar com respeito e amor.
– Não é preciso pensar nos outros. Os outros nunca pensam na gente. Eu era bastante honesto até ser roubado. Bastante fiel até ser traído. As pessoas não possuem valor. Não há nada que valha tanto nossa dedicação.
– Você não acredita no que você diz! – Respondi muito rápido e percebi que meu tom havia sido acusatório. Em regra, nenhuma pessoa gosta de ser pressionada, colocada contra a parede. Os que erram omitem os erros. Os que erram e assumem não são mais respeitados do que os que não erram. Antes que ele se recuperasse da minha acusação, eu continuei. – Suas experiências ruins devem servir como aprendizado. Há coisas que não nos ensinam, mas temos o dever de aprender.
– O mundo é feito para fracassarmos. Todos falhamos. Ninguém é o bastante. Todos somos vis. Você fica aí me cercando com seus olhos grandes e concentrados, aperta suas mãos com força, demonstra seu nervosismo exasperado. Se você não concorda comigo, pode dizer, assim, nós discordamos como amigos. Eu ainda acho que nos ensinam mal se comparado com os aprendizados e ensinamentos antigos.
– É mesmo? O mundo mudou um pouco, mas não tanto os aprendizados. Escuta aqui. Você mesmo se acha um cara feio. Quem o levou a pensar assim?
– Eu… Bom, eu acho que não sei, mas isso não prova nada. Eu só não correspondo com algo que é esteticamente agradável aos outros.
– E será que os ensinamentos de trinta anos atrás o fariam se sentir mais bonito? – Ele emudeceu e tive a sensação forte de que ele não queria me responder. O tema da conversa parecia distorcido, mas me senti dentro do assunto. – Não nos ensinam, para começo de conversa, sobre autoestima. Quase todo mundo cresce sem saber se olhar com carinho. Quase todo mundo merece muito mais, mas se joga em qualquer canto para não se sentir tão sozinho. Quase ninguém enxerga a própria beleza. Quase ninguém te ajuda a ser você mesmo. E por mais que sejam bons os nossos pais e amigos, revolvemos para dentro, bala de canhão pronta para explodir o peito de alguém. Ou implodir. E a gente cresce e deve aprender para não repetir os erros. Todos aprendem. Alguns optam pelo caminho egoísta da repetição. Outros forçam a roda do contrário e testam a bravura do coração. Não nos ensinam que o tempo antigo é antigo, mas que o passado nos traz lições e não devemos temê-lo. Não ensinam que o dinheiro não evita a morte e todo ser humano morre “de morte morrida”, igualzinho. Todos se preocupam com o futuro e revelam suas preocupações, mas se esquecem de perguntar sobre a sua saúde física e mental hoje. Não nos ensinam a lidar com a maldade e nem com o desdém. Não nos ensinam que a previsão do tempo é repleta de equívocos. Não nos ensinam sobre os perigos de comer muito e nem sobre os perigos de comer muito pouco. Vê? Quase nunca ensinam a valorizar suas próprias ações. Você subestima o poder do seu sorriso e a força da sua presença. Você se martiriza e sempre decreta pesadas sentenças sobre você mesmo. O mundo é pesado e ninguém o segura sem ajuda. E Deus? Às vezes nos ensinam a rezar, mas não nos ensinam a ter fé e que tipo de religião ou Deus reforça alguém que se acostuma a ser fraco? Que tipo de visão você espera dos outros quando se olha no espelho e o próprio reflexo é opaco? Não, não nos ensinam uma porção de coisas que deveriam, assim, crescemos ignorantes em nós mesmos, desconfiados de nossas próprias capacidades, letárgicos, dispersos. Isso não precisa ser o fim do mundo, sabia?
– E como é que você sabe dessas coisas? O que garante que agora já aprendemos o caminho e sabemos exatamente o que fazer? Qual é a garantia que temos?
– Distraídos venceremos! Não há garantias, mas você pode aprender coisas hoje, coisas que nunca nos ensinaram nos anos 70, 90 ou 2000.
– Você parece um tolo, mas quero agora que você termine de dizer. Quais são essas coisas que nunca nos ensinaram? O que você acha que eu preciso saber?
– Você precisa saber com urgência que a solidão pode trazer milhares de aprendizados. Precisa saber com urgência sobre a importância do sono tranquilo e ininterrupto, se possível sem sonhos. Precisa entender sobre a fragilidade oculta nos seres mais resolutos e sobre a força adormecida que reside nas coisas frágeis. Exercite sua fé! Vão dizer que você não consegue ler 4 livros em um ano, mas você vai se pegar lendo 36. Vão dizer que o pior aluno da classe não pode fazer nada e você vai mostrar seu brio, será dono dos seus sonhos e das suas coisas, escreverá livros e tentará melhorar um mundo que parece abandonado. Você aprenderá que há certas coisas que solidificam o seu caráter e há oportunidades únicas para fazer diferente. Seja diferente. – Os olhos de meu amigo brilhavam. Algo no meu discurso parecia tê-lo atingido. Continuei. – Você deve saber ainda que vai tropeçar, mesmo quando for muito velho para cometer deslizes, mas que jamais deve se rebaixar tanto. Você não deve se esquecer de ser humilde. Peça desculpas quando errar e espere pelo melhor. Não podemos converter todos os erros em acertos. Todos temos qualidades e somos suficientes em nós mesmos para brilharmos, assim, é preciso dominar o medo e a sensação de vazio causada por um mundo que é geralmente covarde e mesquinho. É preciso continuar, nunca recuar. Hoje a gente falha, mas não se perde do caminho.
– É isso? Então assim você define a vida? Você apenas vive e tudo se encaixa, se você for bom o bastante? Parece ingênuo, mas é algo qual eu gostaria de crer. A vida é seguir em frente?
– Você está me entendendo. A vida é um eterno continuar, mas no fim temos o que merecemos. Nunca deixe de lutar, conheça bem o seu lugar e distraídos venceremos.
– Distraídos venceremos?
– Venceremos.
– Quem foi que disse isso?
– Eu, não notou? E Leminski antes de mim também.
– Não sei se posso levar seus conselhos em conta. Não sei quando foi que começou a considerar o ponto de vista de curitibanos. – Disse e riu, pois sempre nos diziam que só o curitibano era capaz de ser tão grosseiro (ou cuzão) quanto o cidadão campo-grandense.
Ele se aproximou de mim e me deu um abraço rápido, afastando-se logo depois. Não era lá sujeito de contato físico. Ainda assim ficamos em um silêncio alegre, cheio de intimidade e conforto. Nem sempre é fácil aprender lições verdadeiramente importantes em um mundo que não ensina nada que preste, porém, um dia a gente percebe que a estrada é dura, mas não estamos sozinhos.