Eu não sinto até que me machuque de vez em quando, ei, por favor, machuque-me esta noite, não, eu não quero que essa seja uma canção que se encerra no refrão ou antes mesmo disso, eu quero que possamos ser escutados através do tempo-espaço infinito, eu vou voltar para assombrar seus pesadelos quando você estiver longe de alcançar os sonhos meus e, eu vou sorrir enquanto te observo à luz daquele antigo segredo e a vejo cair nas contradições das promessas que nunca prometeu, mas disse sem dizer e a comunicação tácita também firma compromissos, eu te observo daqui, velha amiga, companheira, companheiro, veja, eu vejo que palavra é essa tão bonita, eu escuto a voz que começa mansa e termina viperina na madrugada abafada, o meu grito se abafa e tudo se esquenta, mas minha alma nunca pareceu tão gelada e, rogo, baixinho, para que me entenda quando eu falar e, discreto, movo um objeto e mudo de lugar o sofá. Sento-me então como se a posição da poltrona fizesse a diferença neste deserto ermo qual vivo e sobrevivo e aguardo na resposta certa a calma de que tanto preciso. Abismo. Quando você encara a imensidão do abismo, a imensidão do abismo te encara de volta. Tento não me inflamar pelas reações erradas, você vê, você pensa que eu penso muitos nos livros e eu penso que é melhor do que pensar na TV, mas achamos tantas coisas dos outros que acabamos com o melhor tipo de particularidade que existe na solidão da existência contínua, forçamo-nos ao poema e ao encaixe falso de uma rima e, alguém por aí ri de mim nesta madrugada sem fim e eu me sinto plácido, distancie-se de mim nestas horas escuras, meu paladar talvez esteja ácido e um cuspe seria capaz de corroer a pele mais dura, eu digo e repito, distancie-se de mim em minhas horas mais escuras, pois o verdadeiro bom é aquele que sabe a potencialidade que possui para fazer o mal e o nega, é aquele que nunca turva visão e nunca se cega, ainda que o mundo real como se apresenta nos remova toda motivação de sermos quem somos e de querer seguir em frente, não com rara frequência, a vida é cansativa e tudo o que a gente precisa às vezes é um pouco mais de paciência. Ei, seu tolo, você pode correr, mas não pode escapar e nem pode se salvar, é que todo mundo é vítima do amor e do ódio e da dor e da tristeza e mesmo os mais pomposos se ajoelham, sim, querida, eu vi sua bela face narcisa se ajoelhar em face de uma figura patética e mirrada apenas pelo amor puro, mas você tão cheia de si e repleta de beleza, veja, você estava de joelhos e de quatro por alguém quase invisível, eu sei, é complicado, nós chamamos um pouco da atenção pra nós, nós amamos melhores quando estamos sós e há uma mania que persiste em anular a própria personalidade em prol de alguém, não tremo, diante da dor subitamente me pego sereno, distante eu a vejo, de longe eu aceno e a dor dói e algumas coisas só são sentidas no estado mais sublime do Feliz ou do Triste e ignorei todas minhas notas pessoais e foquei em tudo o que existe. Eu, em mim, por mim, tentando escancarar minhas covardias e viver uma vida de coragem, tentando me embrenhar na mata só para provar meu instinto selvagem e me ver sangrando como alguém que também é capaz de fazer sangrar, de estar cônscio do momento certo ou errado de me afastar e ser proibido de tomar café, pois a audição de repente corre risco e a taxa de cafeína no sangue zera, mas nunca para esse maldito chuvisco e me arrisco de novo, bebo o cafezinho, pois talvez a vida só valha a pena se for assim. Insisto no que me faz, ainda que sutilmente, a continuar, viver feliz assim.
E me importo com todos
e quase ninguém se importa comigo.
Devo ter uma estrela no lugar do coração
e todo meu brilho deve ter sido engolido.
E me importo com todos
até nos dias de nuvens cinzentas.
E se projeta o meu corpo como escudo
de tudo o que considero uma atitude violenta.
E me importo com todos
Consciente de que isso não é saudável.
E sigo em frente, inconsequente,
Ainda que cada dia menos afável.
No próximo poente tão quente
Talvez o cenário seja mais favorável.
E me importo com todos,
mesmo que ninguém se importe comigo
ou com minhas estúpidas raízes.
É a sina de quem é feito de fogo
Ser esquecido e sobreviver
repleto de cicatrizes.
E eu tentei avisar que não é preciso esperar até os setenta anos para nos tornarmos sábios. E tentei avisar que a vida é agora e que não vale a pena apostarmos no que é claramente plágio. Ágil, eu acenei indicando a minha despedida. Fracasso, mas me pertenço e faço o que faço com a minha cabeça erguida.
Go then. There are other worlds than these.
E o meu coração hoje feliz segue sempre por um triz.
E a minha alma dança inspirada.
E o meu coração hoje feliz segue por um triz.
E a minha essência engrandece calada.
E o meu coração hoje feliz segue.
E eu que não sei dançar danço.
E o meu coração hoje é feliz.
E feliz eu finalmente canto.
Por mim.
E pelos outros.
Nunca meu tanto poderá ser tão pouco.
Com carinho e amor,
Daniel Rosa Possari.