Escrevo por impulso e insistência, por necessidade e descaso, por prazer e por alívio, por tudo e por nada. Acontece é que penso muito o tempo inteiro, overthinker, qualquer coisa não tão alongada assim, conjecturas esticadas, mas não o suficiente para alcançar o mundo inteiro. Existir sem pensar é exercício de liberdade total. Pensar é sofrer e admito que sou tomado por dores até quando doer não faz sentido. Um grito reverbera no fundo da consciência, mas eu o ignoro. É que nunca esperaram pouco de mim e por isso vivi pressionado. Sou tudo e nada, portanto, é difícil me descrer em absoluto. Vi muita televisão ao longo da vida e agora sou tolo o bastante para acreditar. Eu preciso me desapegar da ilusão de que posso alcançar o que chamo de totalidade. Sou irremediavelmente eu e há dias que me canso. Há noites que me canso e.
É possível mesmo individualizar um desprezo fulgurante para a figura de um ou outro homem enquanto concomitantemente o amor maiúsculo pela humanidade segue em uma crescente? Li alguns ensaios sobre isso, estudos ou filosofias (ou só discussões) de homens que odiaram um homem em específico e se derramaram em amores pela humanidade. A ideia me faz rir, mas não me arrisco ao teste. Tenho me perguntando qual é a relação minha com os outros e me vejo em um labirinto. O que é que faço do elo com os outros da mesma espécie que eu, esses tantos tão iguais e tão ridiculamente diferentes, que é que me conecta? A conexão que busco é vã ou a ilusão de conexão é necessária para sobrevivermos? O que devo aos outros tacitamente por ser também humano? Os deveres, mesmo os básicos e claros, poderão ser ignorados por uns, ainda que sejam essenciais em um quadro maior? Temos escolha ou somos eternamente vítimas das escolhas que fizeram antes que fôssemos independentes o bastante para escolhermos por nós mesmos?
Contenho meus impulsos de violência, sim, enraivecido estou, entretanto, liberto-me em pensamentos. Sou livre e me admito imperfeito. Hipócrita? Não, mesmo que me contradiga vez ou outra. Suspiro e liberto do peito o peso do Universo. Fui tudo por saber que sou nada. Se tudo lhes parece sem sentido, isso não me afeta. Não preciso me atribuir sentido para seguir em frente. Acordo e torno a dormir sem motivos e sigo em frente. Erro ou acerto e sigo em frente. A vida é apenas seguir em frente. Estou sendo deixado para trás por muita gente, mas de que isso interessa? Só preciso seguir em frente obstinadamente como sempre o fiz. A felicidade chega e passa. A tristeza chega e passa. A raiva me manteve alerta e o meu orgulho ferido me fez dar um passo adiante e viver coisas inesperadas e bonitas. Toda história triste acaba. Toda história feliz também. Eu hoje me regozijo pela sorte de viver minhas melhores horas. Estão me esquecendo. Estão me deixando para trás e há pouquíssimos que notam. Estão fazendo tudo isso e.
Para ser honesto, eu não tenho uma resposta para isso. Tudo me escapa, entretanto, capto tudo (mesmo o que me escapa) em um retrato mental fracionado. A minha memória vai se esquecendo de coisas desimportantes e, ainda assim, tenho a capacidade de me lembrar das melhores lutas da WWE, dos melhores gols do Palmeiras, das maiores crises de riso na adolescência, do maior medo da infância. A família por parte de pai era rica e a família por parte de mãe era pobre. Era excitante transitar entre os dois mundos e deixar flutuar a sensibilidade que sentia. Nada que os opulentos me deram valeu um dia mais do que os tomates com sal. Era tudo o que a minha avó poderia me oferecer, mas ela sabia que ao me entregar aqueles tomates, que eram apenas tomates, estava ali recebendo toda a minha gratidão e o meu amor. Sei que divago, sim, claro que sei. Tudo se perde entre minhas fantasias e ficções, entre realidades e encenações, não obstante, eu repito o que li anteontem em uma crônica de Clarice. Tudo o que escrevo está ligado, pelo menos dentro de mim, à realidade em que vivemos.
Se não lhes parece, que não lhes pareça. Não vivo para comprovar o vínculo, entretanto, insisto em lhes contar que essa convicção genuína que sinto, esses impulsos livres e amorosos, fazem-me acreditar em heróis, filósofos, santos, loucos e até em mim mesmo. Sim, tornei-me ousado o suficiente para me amar e até para me crer. Se não lhes parece que a minha mente e o meu coração estão ligados à escrita, bem, parecer é menos importante do que ser e sou, sem dúvidas, escritor. Escrevo por impulso e insistência, por necessidade e descaso, por prazer e por alívio, por tudo e por nada. Acontece é que penso muito o tempo inteiro. Penso desde que era criança e acredito que vou pensar até meus últimos segundos de vida. Penso em mais milhares de coisas que não caberão neste texto ou nessa vida. Sorrio e me distraio antes de suspirar. Os pensamentos logo voltarão. Como é frustrante ser um overthinker.