MANCHA.

Estou ficando sem tempo
por estar com muitas horas sobrando
Perambulo nu pelo apartamento
Estranhas coincidências me fizeram
morar sempre no andar mais alto dos prédios
Outras casualidades me colocaram ao lado de igrejas
Vizinho de Deus e alto como os anjos
Gargalho destas notas mentais e bebo cerveja preta
Sou acometido por uma memória sexual
e dedico um tempo na rima mais óbvia
Entro em um banho gelado na madrugada
saio com as costas molhadas e fito o reflexo
Sei que estou ficando sem tempo
Perambulo pelo apartamento, úmido, sutil
Depois ligo a música alta e ignoro os vizinhos
Eventualmente adotarei um gato de rua
Medito sobre o futebol, a poesia e a morte  
Abro a porta da geladeira e como chocolates amargos
Os chocolates, os ovos mexidos, o suco de limão
são os primeiros pilares da minha independência
Gargalho de como é ridículo o termo “independência”
Ninguém nunca poderá existir realmente sozinho
Nesta quinta-feira que já foi sábado
Neste início de março que outrora foi coisa nenhuma
Suspiro e solto o peso todo de minha existência inútil
Filho, parece que você carrega o Universo inteiro no peito
Não conte aos outros, mãe, é verdade, eu carrego
Desdobro-me pelas pessoas importantes e
me reconheço esquecido em meus tantos cacos
Mania repulsiva de me deixar para mais tarde
A música romântica toca na televisão distante
Um bicho que não é uma aranha escorrega pelas teias
A metáfora do ferro e do vinho me abandona
As lições de Rivière agitam minhas moléculas
O propósito é uma loucura obstinada dos teimosos
Pelo menos nós temos a coragem para pensar e gritar
Esses tolos emudecidos pela ilusão do dever de passividade
Como me irritam os que engoliram o manual das boas maneiras
Querem matar qualquer um que seja autêntico
Disseram-me que o fracasso traz lições e falho em aprender
A minha atenção divaga ao sentir o vento ou notar as cores  
Distraio-me da vida quando me agacho e cheiro as flores
Excessivamente curioso acabo perfurado pelos espinhos
O sangue rubro pinga no tapete branco
Não é preciso perdoar os tolos imprudentes
Não é realmente necessário ser independente e rico
Os melhores enganadores mergulham os distraídos em truques
Os feios são belos, os vulgares são polidos e tudo é ao contrário
Ver a verdade é uma infelicidade tremenda
Contenho meus impulsos de distanciamento
Convicções irrefutáveis se agigantam na consciência
Eu sei que há feridas que nunca se fecham
e há manchas que não saem com a lavagem.

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Publicado por

drpoesia

Escritor de hábitos relativamente saudáveis que gosta de escrever crônicas, poemas, contos e principalmente romances de ficção fantástica. Três livros prontos, porém, ainda sem publicação física. Trimestralmente faço o registro dos meus novos textos no Escritório dos Direitos Autorais. Tenho 27 anos de idade e sou formado em Direito. Creio no amor, embora o sinta meio ingrato neste ano. Só posso ser quem eu sou e é assim que vou continuar. Confio no mestre Leminski. "Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além". Se você continuou até aqui espero que conheça meu blog aqui na WordPress e que possa dar uma visitadinha nas minhas páginas de poesias no Instagram e no Facebook! Obrigado! Volte sempre!

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