o jardineiro.

Avancei para averiguar a avenca
Era uma coisinha diminuta, porém bela
Eu especialista nas inutilidades antevi
que poderia crescer por onde e como quisesse
O trabalho do correto é cometer acertos, assim,
pus-me a regar a planta todos os dias
Sorria enquanto a aguava e lhe pedia paciência
É claro que sabia que um dia poderia estar tão alta
que nunca mais olharia para mim
Também estava cônscio de que talvez me esquecesse,
embora no meu peito entendesse que jamais a esqueceria
É estranho que se me marque a violência
Que me recordem através dos impulsos reativos
Justo eu que sempre me ajoelhei para afagar os seres vivos
Eu que deitei meu olhar dócil para o bosque sem fim e
que me vi acocorado e grato por existir
O peso da sensibilidade exacerbada, da empatia, é fatal
Ainda que você melhore a vida dos outros
São poucos que se lembram que você um dia existiu
Que é essa tanta aversão ao costume?
O que é esse cheiro de memória repleto de perfume?
Que faço para recuperar meu antigo lume?
Esqueço-me, sim, essa é a resposta
Estou vivo, mas oco, sem novas apostas
Condenado ao peso de nunca poder me sentir leve
Em sonhos áureos sou feito de sol e neve
Despenco sem a pressão de ser cobrado e não solto o ar
porque, enfim, tornei-me o ar e parti
Sou invisível ou argênteo, astronauta de prata
Interplanetário não impressionável
Contemplo outros mundos e galáxias e estrelas e sonhos
Quando avistares um animal com a cor do cobre
Quiçá se lembrem de um vislumbre do meu coração nobre
que de tanta nobreza constante e dureza férrea
fez lânguido e embriagado o meu corpo outrora forte
A minha vastidão me fazia invencível, porém
a honra me prostrava de joelhos e defronte aos espelhos
chorava pela solidão e sentença de só poder ser eu mesmo
Suspiro profundo no escuro e eu dentro dos eixos
Por que o breu me assusta se é Nele que existe o Amor?
Por que nada me ofusca esse tanto de dor?
Talvez seja a verdade que uns nascem para se cumprir
enquanto outros nascem para assistir
Quem sabe possa me fazer satisfeito
apenas por me reconhecer e me saber imperfeito?
Libero a minha respiração e recobro o ar
Estava aprisionado dentro da minha ansiedade
Estava insano dentro da minha sanidade
O escuro é onde mora Deus
O escuro é onde mora todo o resto também
Queria ser objetivo e traçar e realizar um plano
Sou errado demais para ser humano
Sou exato demais para ser humano
Estou exausto demais para ser humano
Que me sobra então para ser?
Uma sombra qualquer que se alegra com a jardinagem
A cautela com as flores, a sutileza com os amores,
é o remédio para o meu coração selvagem
Essa expansividade deveria ser domesticada?
Essa vontade de longevidade deveria ser remediada?
Avancei para averiguar a avenca
Tenho regado muitas plantas ao longo da vida
Especialistas nas inutilidades sorri satisfeito
ao notar que haviam se modificado radicalmente
Palmeiras, sequoias, salgueiros, figueiras, sibipirunas
Cada qual enorme e deslumbrante e perfeita
Não adivinhava fragilidade nelas
E fiquei com cara de bobo com a lembrança da fragilidade
No fundo, nas raízes fixadas na terra, ainda têm a mesma idade
Entretanto, altas e imponentes, não se lembram de mim
Engulo meu orgulho tosco e percebo que essa é minha sina
Criar coisas belas, regar, ser esquecido
e seguir para a próxima rima.

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Publicado por

drpoesia

Escritor de hábitos relativamente saudáveis que gosta de escrever crônicas, poemas, contos e principalmente romances de ficção fantástica. Três livros prontos, porém, ainda sem publicação física. Trimestralmente faço o registro dos meus novos textos no Escritório dos Direitos Autorais. Tenho 27 anos de idade e sou formado em Direito. Creio no amor, embora o sinta meio ingrato neste ano. Só posso ser quem eu sou e é assim que vou continuar. Confio no mestre Leminski. "Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além". Se você continuou até aqui espero que conheça meu blog aqui na WordPress e que possa dar uma visitadinha nas minhas páginas de poesias no Instagram e no Facebook! Obrigado! Volte sempre!

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