Vinha de sete ou oito péssimas noites, madrugadas quais nem pude pregar os olhos e me vi paralisado, imóvel, apenas ouvindo a minha própria respiração e observando o teto do meu velho quarto novo. O último teto do quarto antigo era singular e eu, quiçá tão singular quanto o teto, observava-o sem fazer muitas notas mentais. Ainda assim, o teto antigo era dotado de pequenos espinhos e grandes cavidades, como uma mistura de trincheiras (invertidas) e estalactites.
Aqui na Bat-caverna aprendi tudo sobre você.
A frase trespasse meus pensamentos antes mesmo que eu tenha noção de que pensei. Deixo escapar um sorriso sincero, completamente honesto e, lembro-me de quando visitei a exposição de aniversário do Batman em São Paulo. Esta amaldiçoada e perfeita cidade pode ficar para depois, eu percebo, observando a lâmpada arredondada e meditando sobre a vida que vai. O meu quarto antigo, eu notava, por suas características tão peculiares, assim, de repente se transformava em meu próprio esconderijo. O quarto novo, que é o mais velho de meus quartos e provavelmente o segundo melhor, possui um teto reto e branco, apenas uma ou outra fissura na estrutura sólida e firme, entretanto, nenhum espaço confortável para devaneios. Escrevo-me melhor, eu suponho, principalmente quando me flagro a brincar com minhas palavras e meus sonhos.
Há semanas que me sinto mudado. Uma ligeira alteração interna, como se meus microchips especiais tivessem pegado fogo em um incêndio próprio. Só a carne crua é o que me importa, pois assim não me abalo em bater os dedos no teclado e manchar tudo de sangue. Há momentos em que a realidade se distorce, um grande esticão e, o que parece errado repentinamente soa correto. Eu mesmo abandonado por mim, vejo-os, vejo-me e revolvo para dentro, cada vez mais apontado para a essência, sinto-me desconexo com as coisas bonitas da vida. Talvez seja porque eu tenho limpado excessivamente a casa e arrumado o meu quarto nos dias que deveria deixá-lo de lado. Percebo-me e tenho um calafrio. Não se importar é necessário, pelo menos hoje. Deixarei de lado a qualidade da limpeza e aqui vivo uma exceção. Em casos raros, como este próprio que vos narro, a quantidade de sujeira sugere o reflexo do homem. Não posso ser tão limpo e nem tão sujo.
Ouço sinos que são reais sem serem propriamente reais. Observo a janela pelas frestas e as frestas da tarde cinzenta me observam, aparentando um ligeiro mau humor. Assusto-me, eu às vezes esqueço que os dias também possuem uma maneira particular de se comunicarem e, bom, eu hoje não estou o agradando. Queria me entregar ao sono, mas o meu raciocínio antecipadamente converge para uma zona de inutilidade na qual me detestaria pela morbidez. Aproximo-me da janela e olho para o céu como quem fita um amigo antigo. Talvez a fumaça das queimadas esteja mesmo causando irritação e o descontentamento e o desconto não mede humanos em bons ou ruins, mas sim em humanos, apenas mais humanos responsáveis pela destruição acelerada do planeta.
Nunca fumei um cigarro em toda a minha vida, ainda assim, sou obrigado a ficar defronte à fumaça que domina a sexta-feira. Essa neblina falsa que esfumaça tudo e me retira a clareza nos momentos em que mais necessito da minha própria lucidez me irrita. Continuo a escutar os sinos. Continuo a ouvir os zumbidos. Sinto-me como perseguido por algum tipo de verdade inadiável ou derrota inevitável. O que explica essa sensação? Corro para a cozinha para preparar o meu café e vejo que acabou o pó. Se não há café, igualmente não há motivos para continuar a escrever. Despeço-me por antecipação sem fazer alarde. Quem sabe eu escrevo algo realmente útil bebericando duas ou três xícaras de café no final desta tarde.