Para mudar o mundo

Para mudar o mundo, primeiro, é preciso admitir a insatisfação com as coisas. Se este não é o cenário ideal, reconheça ansiar por mudanças, reconheça-se em seu papel de mudar seu destino e tome bastante cuidado, pois o sonho de mudar o mundo às vezes muda o sonhador (Humberto Gessinger).

Não se preocupe por estar no chão. Os melhores e os piores já caíram e estiveram exatamente no mesmo lugar qual você se encontra. Não é sobre permanecer a vida inteira em sobriedade, imaculado ou livre de constrangimentos e consternações. É sobre entender a leveza e o peso, a liberdade e a responsabilidade, a tristeza e a felicidade, o caos inevitável e a paz absoluta. Certas coisas vão se repetir até o nosso derradeiro amadurecimento. Quando aprendemos, é raro cometermos os mesmos erros.

Se os homens fossem constantes seriam perfeitos, afirmou Shakespeare, mas somos factivelmente falhos e frequentemente nos despedaçamos. Quase todos se escondem com o pretexto de não conseguirem enxergar, mas quando todas as máscaras caem, você realmente fixa os seus olhos naquilo que vê?

Recolher cacos é sempre um trabalho penoso e talvez você dê sorte em estar perto de alguém que saiba tomar cuidado com vidro, pois é difícil remontar, reerguer, reestruturar. Quando ainda no chão suas pontas afiadas estão prontas para ferir a mão de quem ousar tocar, de quem se sujeitar, de quem for suficientemente louco para cruzar os limites e assumir o risco de sangrar por você. Se você é o catador de cacos, eu recomendo apenas cuidado com as hemorragias. Há quem fira pelo prazer de ferir.

A névoa densa outra vez toma conta da cidade e você deixa de enxergar todo o resto. Sua angústia cresce quando repentinamente só enxerga seu próprio corpo, estranho, irregular, quase como se ele não lhe pertencesse. Você age, mas não se sente dentro de você. Uma espécie de monstro estranho tomou posse e suas memórias sobre certas fases são ébrias e entrecortadas. Descemos uma cortina diante das coisas que evitamos ver nos outros e em nós mesmos. Despreparados para a troca de pele, escolhemos nos igualar por baixo, fazemos incentivados por pessoas alheias, guardamos souvenires em recônditos secretos, sejam eles materiais ou não. Você pode se esconder bem, mas nada te afasta do seu reflexo. No fundo, você sabe bem quem é. Talvez secretamente acredite que mereça um prêmio ou uma punição pelas suas atitudes. Se eu não mudar o mundo talvez o mundo me mude. Alguns se regozijam pela autopercepção, outros cantam em voz alta suas lamúrias. Você se envergonha ou se orgulha de quem é?

Levantou já? É manhã outra vez. A escuridão que sugeria infinitude, enfim, morreu. Você estava apavorado, eu notei, mas me imaginou mais forte do que eu realmente sou, pois o negrume da madrugada jogou seu pesado cobertor em cima de mim também e eu senti uma sufocante vontade de chorar. Não chorei. Fiz-me forte, pois eu precisava ser o mais forte, orgulho bobo de quem se levanta quando o resto se deita, de quem se ergue para o sacrifício, de quem levanta correndo para ouvir o barulho estranho dentro de casa, de quem sabe que deve ser o primeiro na linha de combate, ainda que este geralmente seja o primeiro a morrer.

Você sente medo e eu sinto também. Não é diferente com qualquer outra pessoa. Muda-se a forma do medo, mas eventualmente todos se sentem aterrorizados. Já congelou em momentos decisivos? Fraquejou quando deveria ser mais agressivo? Acalme-se e respire fundo uma, duas ou dez vezes. Você é mais do que suas angústias e revezes. Está pronto para tentar de novo? Recomece amanhã. Por hoje, eu apenas recomendo que faça um café forte, beba muita água, coma sua comida favorita, saboreie chocolates amargos, veja a beleza de algo sutil e durma bem.

Nós somos o que fazemos de nós e não o que deixamos fazerem de nós. Não seja aquilo que tentam fazer de você e seja mais amplo nas suas angústias. Você não é o único atormentado por problemas e com a vida complicada. Não pode sofrer pelos outros, mas tampouco deve agir como se você fosse a única pessoa relevante no universo inteiro. Evite o pedantismo, precaução com os silogismos, cuidado com o que come, pois é preciso cuidar do corpo e da alma. Vá em frente, vá sempre, mas vá com calma. Acorde após sua curta noite de sono, consciente de que amanhã tudo começa de novo, até o dia em que, enfim, a vida termina. Para mudar o mundo é preciso estar bem disposto, então, acorde e lave o rosto, desafie o que lhe foi imposto como sina.

Para mudar o mundo precisamos aceitar quem somos, sem perder, entretanto, a consciência de que sempre é possível mudar para uma versão melhor. Seja você.

Poesia em Trânsito – Dirigi meu carro branco

Dirigi meu carro branco do modelo você sabe qual
Em um tempo você não sabe quando
Num universo nem eu sei onde 
As vias eram de mãos quádruplas, mas
os faróis amarelados de meu carro eram as únicas luzes na escuridão 
Onde estavam os motoristas e passageiros?
Onde estavam os determinados caminhoneiros?
Dirigi e escutei algumas novas e velhas músicas
Algumas você sabe quais, porém, outras nunca conheceu
Você duvida, mas eu posso ser surpreendente 
Vá se ferrar, eu penso e
concluo que o pensamento é errado
Alimento-me com amendoins torrados 
e algumas memórias que me ferem 
Não deveria ter exagerado, pois
os dois alimentos irritam a minha pele
Coço o meu cabelo e continuo 
com meus olhos vidrados na pista
Você não vem hoje, meu bem
Você me fez ontem, refém, 
Desista, pare, faça o retorno, 

Os sinais estão todos espalhados 
Um relâmpago ilumina o céu 
Eu sempre quente me mantenho morno
Choro e gargalho, pois vejo além, 
Choro de novo sem nem me entender
Transformo ouro em frases no papel
Eu disse que vejo além, notou?
Não preciso das suas migalhas de amor
Não como um dia eu precisei
As coisas mudaram, exceto o meu carro
Quem sabe em outros tempos?
Soube que eu gostei de outras duas?
Você amou um, mas e daí? 
Sou ainda o seu rapaz da rua com o nome de motel?
As secretárias dos médicos fazem caretas 
E em voz alta entoam seus revezes 
Eu me mudei de casa sete vezes 
Aprendi o sotaque dos ingleses 
Troquei de pele até que a carne antes macia
fosse então dura como uma couraça
Tudo que antes existia: fumaça
Por meados da virada do ano
Eu vou te deixar para sempre
Sou ainda o que fui um dia?
Sim, sou, sou sim, sei que sou
Em algum tempo sei lá quando
Em algum lugar sei lá onde
Até o dia em que não serei mais 
Esse dia é hoje e foi ontem
Provavelmente agora 
Certamente nunca

Percebo-me e me sinto vazio
Quantas bocas preciso beijar até que passe esse frio?
Eu me tornei quem eu não era
A invernia com maquiagem de primavera 
O pacifista intelectual que sempre pondera
Quando deveria partir para a ação
Ainda assim sou a presença que ninguém espera
Quando atiçado me transformo em fera 
Bicho solto com instinto louco de destruição
Dirigi meu carro branco do modelo você sabe qual
Pisei no acelerador e me senti ágil, mas paguei caro no pedágio para voltar
ao tempo na velocidade estável de 122km/h 
Certas lembranças eram como aquaplanagem
para os pneus do meu carro 
Outras com gosto de esperança
Faziam com que eu me atolasse
Cada vez mais fundo no barro
Metáforas desmedidas e esforços tão tortos 
São necessárias as partidas para enterrarmos os espaços mortos
Você não veio ontem, meu bem
Não vem hoje também
E eu não peguei os sinais da pista, sabe?
É a sina de quem possui bons olhos 
Perde-se a ingenuidade e a candura
Perde-se o carinho e deforma-se a figura 
Perde-se coisas que nunca imaginou apenas para
poder ganhar o que poucos poderiam ousar
Olha, quem vem chegando ao fim da esquina
É o pedaço quebrado ao peito apontado 
Denomina-se sina 
Os sinais trocam as cores
Na letargia e cegueira da vida
Você ainda não trocou seus amores 
Você personifica flores
que já estão murchas e mortas
A felicidade está distante em outros países ou
você só finca os pés no chão como se fossem raízes? 
Talvez seja a sina de quem sabe ler os sinais
Dar de ombros em um falso tanto faz 
Sinalizar que ao final é tudo sobre sina 
E que as sinas não impedem sequer um sinal 
Tampouco nos impedem das mais trágicas rimas 
A noite caiu dentro de mim e não há lua
Dirigi meu carro branco por uma estrada escura
Dirigi meu carro branco fingindo estar a sua procura
As estrelas refulgiam alegremente no céu ou 
seriam apenas postes disfarçando minha esperança?
Que se dane!
O que importa é a luminosidade 
Ao longe vejo luzes de apartamentos numa cidade
Temperança, repito, soturno 
Aos poucos perdia o meu medo da morte 
Na estrada (eu) desempenhava o meu papel 
O som do carro anunciava a minha sorte 
Dirigi meu carro branco por instantes seculares
Dirigi meu carro branco e atropelei segredos milenares
Apaguei os últimos resquícios seus em minha memória 
Eu estou tão feliz, triste e aliviado, pois
com você ao lado jamais poderia iniciar outra história 
Sou mais do que as partes que me formaram
É tempo de novos inícios já, certo?
Dirigi meu carro branco por novos caminhos 
Assumindo completamente o risco de me perder (e tudo bem)
Ainda dirigia e pelo retrovisor me vi sorrir 
Lembrei do conselho do gato de Lewis Carrol 
Para quem não sabe para onde vai
Não importa qual direção seguir 
Desde que não volte,
acrescentei baixinho 
Acelerei e cruzei a madrugada
Dirigindo o meu carro branco e sentido a alma gelada 
Divagando por inéditas e perigosas estradas 
Pela primeira vez em muito tempo
Satisfeito completamente 
Completamente sozinho.

Duas línguas – Two tongues

Essa história
starts a long time ago
When a boy wrote about
Deschartes, Pessoa e Edgar Allan Poe
Ele dizia que viveria do ofício
Living his life in the flow
Untill he broken in pieces
Chance perdida na cara do gol
Disse que pararia com os testes
But he already went away
A boy shouldn’t run so fast
Ele sabia e eu também sei
Uma das línguas dele sabe o que quer
The other one says that is too soon
He keeps himself aware
E se embebeda de rum
Uma das línguas não desiste
The other one accepts the end
He says he’ll insist
Pois não pode viver sem
A vida pode ser tão triste
Poor miserable man.

Amálgama

Essa mistura
de tudo e
mais um pouco
É a única cura para
o meu jeito louco
Guerreiro ferido e cansado
que sempre se opunha
Casca de machucado
arrancada na unha
Tudo o que nos forma
Virará um dia
Acessório que
nos adorna
Detalhe que
nos faz poesia
E essa estranha
Amálgama
me faz ficar bem
Arranha
minha alma e
me faz ir
Além.

round about

It was round about twilight
I saw your beautiful eyes for the first time
and when the darkness ate the day
You became my light
You shone over the world
so intense and bright

I swear
You are always beautiful
like a violent storm in the summer
And a man like me so scared
found the courage to hold the thunder
Just for a little while

This is also what I said
When you told me it was late
and we should probably go
It’s not time to chase

Tomorrow can wait
The night is long and we shouldn’t waste it
I froze looking at your beautiful face
I’ve smiled and replied :
to my house or your house tho?

So you smile to me
Life worth it

Even my stupid dreams
someday they’ll work
We walk on the streets
We dance and we kiss
Simple match of chess
Just like two honeybees
A lock and a key
The clock lost himself into our mess

It’s okay to feel this pointed
thing in my chest?

I want the dawn of the city
Side by side with you
This
sounds like eternity
What the hell should I do?

I wrote our names on a sacred stone
You say it was too soon
But my heart was a big bomb
just before the great BOOM

It was round about midnight
I was dizzy and felt not so clever
When I whispered to myself:

“This may last forever”

Tonight I won’t feel sorrow
I’ll destroy everything

that could block
My way to you

I can’t wait till tomorrow
That’s the story
About how I fell in love with a red fox
The mistery of how my grey world
turned so damn blue.