Nasce a alegria em mim e não há lua no céu.
É estranho admitir que é possível ser feliz, apesar dos pesares. É engraçado sorrir e anuir que posso me manter afastados dos bares, ainda que o coração sempre nostálgico poetize o sofrimento gerado pela ausência. Ah! Quantas saudades!
Adotei um ritmo saudosista de vida. Aos domingos e às quintas olho fotos antigas e me lembro de outros tempos. Àquelas épocas me soam agora como memórias de outra encarnação e eu que não me importo com o que a maioria se importa, só gostaria que nem toda lembrança minha fosse esquecida.
Vivemos a tragédia inenarrável do esquecimento. Os mais jovens não fazem questão da recordação e os velhos percebem apenas em idade avançada que talvez seja um pouco tarde demais para assumirem decisões realmente sábias na vida.
O que eu chamo de decisão sábia?
Algo semelhante ao clichê universal de dedicar a vida para algum propósito que realmente legitime o sentido de sentir. É empenhar ânimo, alegria e coragem no que neste mundo te faz sorrir. É alcançar o estado sublime do que te faz bem, realmente bem. Eu escrevo livros e você?
Bom, isso não é sobre ignorar a parte necessária da vida, pelo contrário. O trabalho é absolutamente necessário tanto quanto o dinheiro que se ganha para sobrevivência. Valorizo o trabalho, mas quase nenhum trabalho nos força em nós mesmos, quase nenhum trabalho nos impulsa ao protagonismo.
O que eu chamo de protagonismo? É assumir decisões na vida, sejam elas sensatas ou não, cruéis ou não, mas que busquem, pelo menos na medida do possível, a honestidade. A verdade é mais importante que a coerência.
Há muitos Dorian Gray por aí e outras tantas Sybil Vane. Há tantos que abrem mão da própria vida numa ilusão enfraquecida de que só há vida na vida alheia. Sinto uma vontade de gargalhar, mas reconheço que empalideci. Gostaria de saber o que ia falar, mas suponho que esqueci.
Uma tristeza indefinível recai em meus ossos. Sinto o cansaço de milhares, talvez milhões e penso nos que passaram por isso antes que eu. Sim, os antecessores que me erguem nos dias bons agora me enxotam nos dias desgraçados.
O pescoço travado é o sinal de que há algo incerto? Bobagem! Vincular sinais físicos de fadiga ao emocional é pura suposição. Inventar-me em teoria não me explica e nem me define na prática. Quero uma pesquisa que me desmistifique, mas, por favor, que seja uma pesquisa fática.
Penso sobre os outros que não pensam sobre mim. Sobre insuficiências, sobre vida, objetivo, ambição, dinheiro, ganância. Penso sobre os que não pensam em mim. Já fiz inimigos sem saber que eles existiam e me pergunto se me derramei em algum excesso anuviado de vaidade ou se fui perseguido injustamente?
Sorrio e me sinto feliz. Penso sobre os outros e admito sentir certo conforto em minha solidão. Debruço-me na janela e aguardo pelos pássaros. Penso-os em inglês e em japonês. Pássaro, bird, tori, como você preferir chamá-lo, mas eles passaram em um enorme bando voando convictos buscando um abrigo para a noite.
Você já sentiu a convicção de um animal que sempre sabe o que faz?
Localizo-me no Universo e no meu quarto e na minha expansividade. Vejo-me só, solitário como quase sempre fui, sozinho como quase sempre serei, abandonado me senti, mas torci para não ser achado. Agora torço e realmente me pego com os olhos marejados quando confesso que procurei muitas coisas que sempre existiram dentro. Por quê compramos essa ilusão de que a felicidade só existe no mundo lá fora? O interno não aguenta tinta.
Busca vã que atravessa galáxias em busca de propósito. O meu, real ou sonhado, há anos soa bastante óbvio.
Luas, planetas, luares, galáxias, cometas, magia, reencontros, contos, febril, tonto, eu olhei o mundo com a maior sinceridade possível. Quase enlouqueci quando defronte às tragédias e quase achei que já havia visto o bastante quando vi a felicidade.
Então se lembre equivocadamente, mas se lembre. Deturpe algumas das memórias, mas não se esqueça dessas tantas histórias que criamos. Quanta coisa acontece em menos de um ano, vê?
Achados e perdidos, tesouros esquecidos, túneis secretos, barulhos discretos e silêncios milenares. Os eternos viajantes que vagam conhecem seus lugares?
Chamo a minha tristeza e ela não some. Abraço-a e a chamo pelo nome. Agora só eu posso lidar com essa Tristeza. A importância de personificar os sentimentos próprios ou apenas senti-los, o que fazemos, o que esquecemos, o que sempre está nos definindo.
Muita gente pensa sobre muitas coisas, mas você sabe sobre você. Muitas vezes sabe por antecipação até o que vão dizer. Foda-se a opinião alheia, você brada, mas sua força é na verdade fraca. O peso e a leveza; o lampião mais aceso é às vezes o primeiro que fraqueja.
Caminhada vespertina pela orla da praia. Não há nada aqui que distraia minha alma.
Creio, não sei com que intensidade, não crer em absolutamente coisa alguma. Creio, ainda que fira minha vaidade, ser um viajante perdido no reino dos sonhos e das densas brumas. Reconheço, não sei por qual razão, a minha incoerência e a minha incapacidade de ser sucinto. Vejo-me, oscilo, mas não minto.
A cachoeira dos desastres deságua em minha cabeça e me pego de joelhos. Sinto por vezes uma necessidade de estilhaçar todos os espelhos que existem neste mundo tão imenso. Choro ao me ver inútil, fútil e outra vez me perco em pensamentos.
A tristeza vai e vem.
A felicidade segue o mesmo ritmo também.
Discreto sofro a angústia sólida de ser quem eu sou. Guardo um recado secreto que desvenda tudo o que nesta vida é escravo do Amor.
Continuar, desistir, cantar, partir, ficar, esquecer, chorar, repetir, ver e escalar montanhas metafóricas como quem galga o trajeto correto até o segredo da existência.
Nesta madrugada me pego centrado e em seguida perdido, mas conservo minha paciência e peço para que os impacientes pacientes aguentem um pouco mais e insistam no caminho do bem.
Isso de querer ser quem se é ainda vai nos levar além.
Surge a lua no céu e a capto entre as folhas de uma árvore. Estou feliz. Sou feliz.
Discreto, enfim, sorrio e saio de cena. Meu coração vagante e vadio bate sem parar insistindo que a vida vale o preço da tinta e o peso da pena.
E choro, sorrio, esquento, esfrio. Torno-me Nada e Tudo. Desfaço-me da forma e do conteúdo. Sou Vazio e simultaneamente Preenchido.
Sou o que os céticos e sérios vão chamar sempre de…
Caso perdido.