Eu não escrevi essa crônica

Eu,

Eu não escrevi essa crônica. Esses casos românticos acumulados e deixados para trás em um boteco com o cinzeiro cheio de bitucas não são meus.

Eu não escrevi essa crônica. Eu não estava com quatro amigos babacas em um bar em setembro de 2017 praguejando sobre as injustiças da vida e muito menos injustiçando quem não tinha nada a ver com o meu praguejar.

Eu não escrevi essa crônica. Eu não fiquei bêbado e vomitei no chão do banheiro e lavei tudo depois enquanto escutava Gigantes do Samba.

Eu não escrevi essa crônica. Eu nunca me arrependi de nada e todos os que se arrependem são fracos. Eu fiz o que quis e Carpe Diem na bunda desses tantos otários.

Eu não escrevi essa crônica e não preciso aguentar o peso do seu julgamento e nem o fervor da sua carência.

Eu não escrevi essa crônica e não sou responsável por essa sua sensibilidade e muito menos por sua falsa decência. O que você quer de mim?

Eu não escrevi essa crônica, pois vá reclamar com o filho da puta do autor que escreveu essas histórias sombrias e tocou nos seus pontos fracos, entretanto, eu sugiro que tome mais cuidado para não se ferir com os seus próprios cacos.

Eu não escrevi crônica nenhuma e muito menos usei a palavra “suma” para pedir ou exigir algo de alguém. Eu não me escondi na bruma e nem mesmo lembro se você fuma, mas sei que posso viver sem.

Sem você e sem essa crônica que eu nunca escrevi e que você insiste em me dizer que eu escrevi, pois o lapso da sua memória se confunde com a extravagância dos seus pensamentos mais vis e inúteis. Queria dizer que não, mas estaria mentindo, eu tenho sim paciência para inutilidades, mas não para as suas e nem para esse papo torto de crônica, cônica, catatônica e nem para essa sua consciência inconsciente e esse discurso todo desesperador.

Eu não escrevi essa crônica, mas você insiste em me culpar pela sua dor.

Olha, meu bem, entenda que há coisas que entendemos e coisas que não entendemos e que Deus, se Deus existe ele faz o mesmo juízo de nós, bons, maus, ricos, pobres, altos, baixos, o mesmo juízo, eu disse, sim, se não fizesse juízo igual ou parecido uns morreriam e outros não, mas, enfim, no fim todos morremos. Percebe a beleza disso? Prolongamentos? Não os merecemos.

E não sei ainda qual a razão de que alguns crescem ruins e que traem e que ferem e que se aprazem das vilezas, mas me mantenho firme em acreditar no que meus olhos enxergam como beleza.

Imagino-me caminhando sozinho e falando em japonês com japoneses. Ainda tenho uma estrada longa pela frente, mas quem sabe essa isso ainda não ocorra? E talvez para os lados de lá eu escreva crônicas minhas, entretanto, ressalto que essa última não é de minha autoria.

Eu não escrevi essa crônica. Eu não apago o pouco brilho da escuridão que vejo no mundo. Eu sou aquele que desconsidera a forma e vê o conteúdo.

Eu não escrevi essa crônica e por isso tenho o direito e o dever de me irritar. Eu não escrevi essa crônica e por isso resolvi digitar.

Para você.

Mas a outra crônica não é minha. Só me traduzi através dessas últimas palavras. Afiadas? Eu sou assim, borboleta, eu sou assim mariposa, é, é que eu sou assim, meio relâmpago no céu antes da chuva.

Você acha mesmo que eu escreveria uma crônica vil baseada na minha experiência? Eu que não feri uma pessoa. Espere. Você quer saber se nunca fiz algo de errado?

Uma vez eu vi uma senhora cega quase ser atropelada no trânsito. Eu respirei fundo para correr, mas minhas pernas não se moveram. Eu gritei com a minha mente e não saí do lugar. Tentei rezar, mas havia esquecido como se fazia uma oração. Subiu uma vontade de vomitar e o ritmo do meu coração enlouqueceu.

Alguém salvou a velha, mas não fui eu. Não é falta do heroísmo que me pune, mas sim a consciência de que naquela vez congelei. Nunca mais quero congelar e dali em diante me arrisquei aos heroísmos mesmo quando eu era mal compreendido e detestado. Nem sempre haverá alguém para salvar a velha, mas se outro jovem congelar com a cena, eu espero poder fazer o que naquele dia não fiz.

Essa história curta eu mesmo vivi, mas a crônica maldita e suja, não, ela não é minha. Se fosse, eu teria vergonha, mas admitiria.

Li a crônica do outro e tentei transcrevê-la. Bobagem! Como se eu pudesse sentir de longe! Como se eu pudesse compreender os que tanto escondem… Mas os segredos? Onde essas pessoas insistem em guardá-los? Guardam por vergonha, amor ou apego? Guardam por orgulho ou medo? Quem se priva de falar algo o reserva em um espaço especial secretamente cuidado e mantido? Quem se priva de enfrentar alimenta o que deveria ser esquecido?

Há alguma coisa que realmente mereça ser apagada para sempre? Talvez você tenha um pensamento pontual e viperino, algo secretamente venenoso ou escancarado e ferino, quem sabe, felino? Os segredos marcam os rostos e envelhecem suas peles. Costumamos orar pelos mortos, mas pelos vivos há quem vele?

As crônicas não são minhas, mas aqui me pego em devaneios existencialistas e solitários sobre segredos e me lembro do autor Patrick Rothfuss e de Teccam no Temor do Sábio. Sobre os segredos:

A maioria deles é da boca. Boatos compartilhados e pequenos escândalos sussurrados. Há segredos que se anseiam por se largar no mundo. Um segredo da boca é como uma pedra na bota. No começo, mal se tem consciência dela. Depois, torna-se irritante e, mais tarde, intolerável. Os segredos da boca vão crescendo à medida que são guardados, inchando até pressionar os lábios. Lutam para se soltar.

Os segredos do coração são diferentes. São privados e dolorosos e não há nada que se deseje mais do que escondê-los do mundo. Eles não inflam nem pressionam a boca. Vivem no coração e, quanto mais são guardados, mais pesados se tornam.

Diz Teccam que é melhor ter a boca cheia de veneno do que um segredo no coração. Qualquer idiota é capaz de cuspir veneno, diz ele, mas nós guardamos esses tesouros dolorosos. Engolimos em seco todos os dias para contê-los, empurrando-os para baixo, para nossas entranhas mais recônditas. Lá eles permanecem, ganhando peso, supurando. Com o tempo, não há como deixarem de esmagar o coração que os contém.”

Como foi que cheguei até essa parte? Como alguém transforma uma crônica sombria em arte? Eu honestamente não sei. Tudo bem para você não saber?

Não planto ideias maliciosas e tampouco sou malicioso, admito, entretanto, que a minha honestidade é própria ideia tolhida e não sutilmente implementada. Se é necessário lidar comigo, que seja da maneira crua. Que olhem para mim como outro cara qualquer passeando pelas ruas.

Ainda vale a pena sonhar com alguma coisa e acreditar em algo? Sinto-me cansado, mas talvez eu precise cumprir com outras obrigações. Vou tomar um banho gelado e pensar nos meus próprios problemas e soluções. Ainda há tempo para passar mais raiva hoje. O que será que você vai fazer?

Eu honestamente espero que se divirta e que apenas dessa vez não gaste o seu tempo em me ler.

Nota: eu não escrevi essa crônica.
Essa crônica foi escrita por: insira aqui qualquer nome que não seja o meu.

Ainda me pergunto o que o cara que escreveu diria na carta-crônica.

Ele apenas havia começado com…

Eu,

O que estaria para dizer?

Eu amo você ou
Eu sinto sua falta ou
Eu odeio você ou
Eu nunca mais apareço ou
Eu nem me lembro mais?

Não sei o que ele ia escrever, mas sei que ia e assim se encerra minha parte neste texto dualístico e confuso. Preciso descansar a minha cabeça ou vou entrar em parafuso, principalmente porque ainda necessito da raiva nessa noite de agosto.

Desgosto. Eu sei de mim, mas não sei dele… A única coisa que sei é que…

Eu.

Você não leu minhas cartas.

Você não leu minhas cartas.

Você não leu as cartas que eu escrevi e nem entendeu os sentimentos que senti. Não quis. Tornou-me, ressalto, por escolha, inequivocamente inútil. Existe coisa pior do que se sentir impotente?

É triste.

Admitir a derrota. Os seus poderes tão magnificentes e extravagantes não funcionam. Ler mentes não impressiona, voar é para os idiotas e o teletransporte é uma fantasia estúpida para quem ainda desentende que na vida só é possível ter de pouco em pouco. Quem tenta segurar muita coisa fica sem nada nas mãos.

Você se tornou gelo puro.

Você não leu minhas declarações de amor com os olhos de quem verdadeiramente ama. Cruzou os braços, licença poética ao tempo e ao cansaço, disse “fogo não queima para sempre, veja como não viceja nossa velha chama”.

Você se fez incêndio e nos queimou.

Tudo o que era nosso, perdeu-se em menos de um instante de falta de lucidez. O que é que enxergávamos? De quem eram aquelas mãos? O riso tão leve e a acidez de quem precisa se aliviar, agora, voltadas para o alvo que disse que nunca miraria. Nós poderíamos fazer mais, mas você me passou uma rasteira, eu caí de cabeça e sangrei. Veja, eu não ligo de sangrar, mas note, eu vi o vislumbre do descaso nos seus olhos antes do impacto. O amor havia morrido em seus olhos e demorei para assimilar o fato.

E é decepcionante.

Você construiu muros entre os nossos caminhos seguros, cimentou as frestas que faziam entrar luz e o mais assustador é que você sabia do meu medo do escuro. Não, o mais assustador é que, de repente, eu me peguei te ajudando a destruir o que tanto quisemos construir. Foi a sua confusão que me deixou confuso ou meu coração desnorteado entrou em parafuso? Você me olhava e não me via.

Você me fez um vampiro no seu espelho.

Perdi meu reflexo na sua vida e segui firme, embora nem sempre forte, ao longo dos anos. A pele cada vez menos tocada, os beijos cada vez mais curtos, os silêncios de paz transformados em surtos. A minha vida pela sua e a sua vida apenas pela sua. O seu umbigo era a única coisa que existia. Sua incoerência quase foi a estaca de madeira no meu peito, mas eu sobrevivi.

Você não é quem era.

Eu havia decorado seus vários sorrisos e sabia exatamente como consegui-los. O cheiro do seu perfume marcava minha pele e eu que nem respiro direito, às vezes, inalava apenas você. E você dormia com minha camiseta para se sentir protegida, pois dizia que eu era o seu porto seguro, mas não hesitou na sua estranha saída. Pensei tolamente sermos a exceção da regra, mas tudo que é frágil sempre quebra. Quebramos.

Você não é quem era e tudo bem. Eu não sou o mesmo também.

Espero que sua nova jornada não seja tão uniforme, que você se permita e se transforme, pois eu juro que vou além. Das coisas que você nunca tentou me provar, mas conseguiu, há apenas uma com a qual me comovo. O amor em tempos sombrios, perto do fim, agoniza em gritos de socorro.

Honestamente só espero vida nova, algo para não me lembrar de quem tão facilmente me esqueceu, afinal, você mudou, eu mudei, mas…

Você nunca me leu.