Só posso confiar em meus dedos
Subitamente eles escancaram verdades
das quais eu não ouso desconfiar
A psicologia nada serve
para quem vive na teia da aranha
A naturalidade que se exprime com leveza
é absolutamente enganadora
Alonga-se e dá um sorriso triste
O mestre titereiro puxa as cordas
A bailarina come, mergulha,
luta, dorme e até sonha, mas
nunca resiste e nunca dança
Teu corpo repousa longe da violência física, porém
finge não saber que a alma é vituperada todos os dias
Kiwi, morango, segredos batidos, cítricos
Tudo o que não se pode ter certeza
Abóboras zombeteiras no Halloween
Teias de mentira entre as de verdade
Isso tudo favorece a confusão dos ingênuos
Gêmeos caminham antagônicos
O mau contra o bom e os dois supérfluos
Um inseto com grandes antenas pousa na janela
Só posso confiar em meus dedos
Meus olhos captam imagens, vislumbres, estéticas,
Meus dedos desnudam vilezas, crimes, pecados
A voz hesita na mensagem e no tom
Os dedos, cruéis, são convictos
A coragem de ser covarde assumido
O coração mais resistente que o vidro
Tudo estilhaçado e espalhado pelo chão
Minhas vísceras, minha pele, minhas mãos
O sal dos olhos toca a ponta da língua
Estou comovido com um relâmpago na estrada
A BR-163, o Hospital Miguel Couto,
Tudo de novo e outra vez até estar morto
Tento gritar, mas já estou rouco
Sinto-me aliviado por conseguir usar os dedos
Estou pronto para revelar minha alma e meus segredos
Começo admitindo que sou um homem repleto de medos
Sacralidades profanadas em qualquer noite de quinta
O interno não aguenta mesmo tinta
O sexo é o consolo que temos quando o amor não nos alcança?
Só os tolos acreditam em velhas e novas esperanças?
Não há sequer um conselho que me disse que presta
Ninguém estampa a alma na própria testa
Não te falaram? Paris não é uma festa
Lá se vai o sol em outro fim de tarde
O que há de perder não tem onde guarde
A invernia me dominou, mas meu peito ainda arde
Morangos mofados, frutas podres, crises de identidade,
Homônimos perdidos e esquecidos pela cidade
Eu sei que muita gente não vale o que come,
mas você esperava que eu deixasse alguém passando fome?
Pinheiros, árvores redondas, garotos e garagens,
Circos, cachorros correndo na chuva, bichos selvagens,
A bola oito, o fim do jogo, o ressurgimento, o que importa,
Está morrendo afundando em uma espécie de senso comum
Está deificando um ser humano ridículo e se apequenando
Olha, sorri para as flores, canta para os amores,
Aposta corrida na rua e personifica o vexame
O estresse só aumenta e tenho medo do derrame
Sinto que posso morrer jovem e assim se lembrariam
da minha cafonice eternamente juvenil, mas diriam
eis ali um homem que sabia
Quando alguém quebrasse o silêncio fúnebre
perguntando sob a minha lápide sobre que diabos eu sabia
Quiçá surgisse alguém com certa intimidade e contasse:
Ele sabia sobre Tudo, sobre o Mundo, desde cedo,
mesmo assim ele quase nunca dizia, só antevia,
porque a verdade só se revelava nas pontas dos dedos
Meu espectro vazio talvez esboçasse um sorriso
Será que meu espírito merece o paraíso?
Olha, que tudo passa rápido e o hoje logo vira ontem e
A vida é para quem sabe viver e buscar o prazer
Olha, eu sei que falando assim, parece a ti que fiquei louco,
Sou um homem com muito, mas transpareço pouco
A estética que me importa é invertida
Aprendi há tempos o Nome da Vida
Todos precisam tanto de mim
Sou eu que as coloco de volta nelas mesmas
Ah! Sou eu que as faço enxergar suas belezas!
Ah! Sou eu que encerro, reato, sorrio, xingo, amo, odeio!
Ah! Parece-me que precisam de mim com uma espécie de sobrecarga
Acordo cedo e como chocolates e evito que a vida seja amarga
Tentei explicar à minha mãe e à minha namorada,
Olha, eu às vezes preciso ficar sozinho e me conectar
com as partes distantes de mim das quais me esqueço
Se coloquem no meu lugar, eu agradeço,
Obrigado, de nada, companhia, solidão, best-sellers,
Futebol, tartarugas, corujas, a escuridão e o medo,
A tua luz salvou a minha vida e este é outro segredo
Não tenho confiado em minhas percepções, entretanto,
acredito cegamente nas revelações dos dedos
Faça silêncio, por favor, há alguém dormindo
O choro de um novo menino vem surgindo
Vamos juntos agora, sigam-me os bons,
Tenho sido um grande líder, mas não admitem
Habitualmente querem andar atrás de mim,
mas aperto os seus braços e digo: andem ao meu lado!
Ouça-me capitão, tritão, um dia serei lembrado
Falo tanto que muitas vezes não sei o que dizer
Flagrei-me aos prantos até o amanhecer
Estou me tornando arisco outra vez
Meu coração de bicho de rua vê os faróis
Acordo suado entre os meus lençóis
A ampulheta jaz ao meu lado e a areia escorre
A minha memória enfraquece e ninguém me socorre
Tudo bem, todos precisam de mim
Meu instinto heroico sonha com uma morte bonita
Rio das mortes idiotas e isso não aceito
Rio da minha lorota: – como se eu controlasse o jeito
Gargalho e o som retumbante da minha risada
se parece com o relâmpago da estrada naquela vez que chorei
Do tudo vamos ao nada, mas nasci para ser rei
Olho para minhas excentricidades e me acho incrível e patético,
A realidade é que amo meu tipo de senso estético
Sonhei que era atropelado, mas acordei aliviado
Não havia sido vítima fatal do maior de meus medos
Sorri, sem entender meu próprio mistério, feliz e sério:
O importante é que eu ainda podia usar meus dedos
As maiores verdades são inconvenientes
Ninguém se importa tanto assim com a gente
Cada um se concentra apenas no que sente
Adivinhei a vida, mas o segredo dela me escapou
Tenho uma impressão frágil de que Deus me abandonou.