Há um demônio do fogo
dentro do meu ser
Desobediente
Incontrolável
Alimentando-se de tudo o que se move
Apenas para sobreviver
Há um demônio do fogo
queimando o meu coração
Cada vez mais expansivo
Ele urge para sair
Cada vez mais invasivo
Ele não quer mais dormir
Cada vez ele mais eu
E eu mais ele
E ele ainda mais eu
do que eu ele
Mas nada
tão separado
nem possessivo
que possa chamá-lo meu
Nós aqui divididos
Até o dia em que seremos uma única coisa
Não hoje, mas talvez em breve
O resto do mundo nunca interfere na nossa relação
Tudo o que me toca e fere
Vira carvão Até minha própria pele
às vezes parece vulcão
Sou um eco solto de
Destruição
Nunca sozinho
Duplamente
em ebulição
Evite-se a
Erupção
Quebramos todas nossas leis
Assim que fazemos
Só importa o que sei
Ainda estou aprendendo
Quem recua mata
a vontade que está nascendo
Há este demônio do fogo
Convive comigo nas noites e nos dias
Às vezes me fustiga e outras vezes acaricia
Ele é tão capaz quanto eu
Guardião estranho e improvável
Protege-me com suas chamas
Ainda que apareça até quando não é chamado
Este demônio é atrevido
Extremamente ousado
Inconsequente
Presunçoso
Por vezes perigoso
Infante
Arrogante
Distante
De quando em quando
eu e ele nos desentendemos
Eu busco agir racionalmente
Ele quer queimar o mundo
Trinca os dentes num esgar horrendo
Mostra sua agressividade
Ninguém ousa um passo a mais
Queimamos juntos o que cruza o nosso estreito caminho
Ele me observa sorrindo
completamente zombeteiro
Sabe que eu aguento o que poucos aguentam
Diz baixinho “até quando”?
Mando ele calar a boca
“Aqui sou eu que mando”
Ainda assim ele gargalha, pois
todos fracassam nessa batalha
Contra os males do mundo
Sussurra nos meus ouvidos
“Um dia você vai incinerar tudo com a minha ajuda
Cedo ou tarde a crueldade do mundo te muda”
Ele às vezes soa tão tolo
Nunca sabe o que fala
Era melhor ter
abraçado o silêncio
Era melhor ter engolido
o sol no lusco-fusco
Tudo o que não tenho
Ainda busco
Ganância
Garra
Algo parece vago
Inquieto, ele me cutuca
como se apagasse um cigarro em mim
Não pôde fazer o que deveria
Diz que não coleta mais
Tudo o que recolhe
em seguida descarta
“Nada nas mãos nunca
É disso que somos feitos”
A última coisa que ele
segurou foi o brilho da lua
Ainda assim um instinto
estranhamente pacífico
Fez com que o demônio a soltasse
Talvez alguns mereçam
morrer de frio pelas traições
Na Islândia, Rússia ou no Canadá
Alguém como eu poderia
derreter o continente por lá
Contradições como espadas
Do nada ao tudo e do tudo ao nada
Tento ser empático, mas estático,
reconheço-me fático
Está além da compreensão
Como além se somos quase
a mesma coisa?
Cada vez ele mais eu
E eu mais ele
E ele ainda mais eu
do que eu ele
Não o entendo, mas o sinto
Inequivocamente triste
Ele não me entende também, porém,
solidarizamo-nos na
ausência de palavras
que engloba a vida
inteira que existe
O demônio é forte
Bem desconfiado
observo a minha sorte
Mal entendendo
Devaneio minha morte
Meu demônio a desafia
Como se fosse mais poderoso
que o próprio Deus
É bom tê-lo por perto?
Um demônio mau
pode ter utilidade?
Há um demônio do fogo
dividindo a morada do espírito
Ele já não me dá mais arrepios
Em certo momento nos
perdemos um do outro
Ele se parece comigo
E eu me pareço com ele
A alma eloquente se agita
no corpo que emudece agora
Regente perdido inconsequente
Consome com as chamas
Acelera o correr das horas
Mais inflamável do que
qualquer coisa que viu
Instável aguardando
uma faísca no pavio
O demônio se lança em mim
Cada vez ele mais eu
E eu mais ele
E ele ainda mais meu
Eu respiro fundo
para tentar não me perder
Ele gargalha sonoramente,
mas sinto o que ele sente
Queima com uma raiva
arroxeada e profunda
Instinto de ira indomável
Admite que todo fogo se apaga
Quem não sabe entender a mínima fagulha
não pode tocar quem é pura lava
Suspiro-me ou é ele que suspira
Há este demônio aqui e já não sei
quem é que controla a respiração
Para os outros não há comoção
Somos nós dois uma estação
Como o inverno ou como aquela que
leva embora para sempre um trem
Revestido de fogo nos fortalecemos
Quem é que pode me impedir?
Quem é que pode nos impedir?
Quem é que pode o impedir?
As lágrimas que escorreriam
evaporaram antes de tocar a pele
Não há nada em mim que gele
Sofro hoje como um mestre
O tédio me frustra
Vou queimá-lo
Faço o que quero e
ninguém me impede
O tal demônio por vezes
me personifica
Por vezes agimos juntos
Só em mim ele acredita
Ainda assim ele só
quer saber de queimar
Lançar labaredas dançantes
para consumir tudo
Incêndio incontrolável
Inefável
Intragável
Detestável
O demônio é sincero
Eu também
Odiamos mentiras
O demônio é direto
Eu prolixo
Ainda que às vezes eu seja direto
e ele enrolado também
Há um demônio comigo
Ele me afasta e
me protege do perigo
Ele diz que é letal, mas
que é meu leal amigo
Como posso não confiar
em alguém tão próximo?
Não tenho escolha ou
Escolhi que fosse assim
Tudo de repente explodiu
Claridade no céu que
nunca mais se viu
De repente o meu fogo
e o do demônio
Espalham por
toda a cidade
E um sussurro quase mudo
nos revela desnudos
Há partes nossas por
todas as casas
E há em corações alheios
nossas brasas
E há o que eu nem imaginava
que poderia de haver
E há cinzas nossas que guardaram
E eu nunca iria saber
E a raiva cega minha
que nunca pune
Transforma-se
então em lume
Eu e o demônio
não somos cruéis
Ainda que pudéssemos ser
Ainda que devêssemos ser
Só o demônio sabe o quanto
o sofrimento me arrasta na dor
E o que foi me enche de espanto
Ele tenta queimar tudo, mas não
nunca viu nada que tenha resistido
Recorda-me da frase que tanto gosto
“Seu coração é feito de coisa mais forte que vidro”
Num universo de tanta crueldade
Abraço o demônio antes de dormir
Eu me sinto tão lúgubre, mas volto a sorrir
Seguro a onda, aguento a barra, ajudo
Ninguém me nota na parte mais profunda
Observo o mundo com sutileza
Vejo em cada cantinho
um pouquinho mais de beleza
Sou sozinho, mas me sinto fortaleza
Quem derruba estes portões?
Também ninguém sabe a senha
E lá vou eu sendo ele
Ele sendo eu
Absorvendo lindos olhos verdes
que queimarão em nós
Coloridos
Conquistar é
algo divertido
Queimamos como
fogo de fogueira
Numa diversidade de cores
No chão somos céu de estrelas
Mestres em tudo, exceto nos amores
Ouço ele acalmar a respiração
Acalmo a minha também
Eu mais ele
Ele mais eu
Algo sempre acontece quando
não estamos vendo
Continuo mudando e crescendo
Estou cada vez mais velho
O demônio faz aniversário
Nós comemoramos
Celebramos um com o outro
Já nem me lembro dos tempos
em que o demônio não estava por aqui
Ele parece vil, mas me ajuda a seguir
Fecho os olhos e aguardo
Os milagres acontecem
quando a percepção encontra o sono
Os grandes eventos sempre lembram
Épocas distantes e abandono
Dou de ombros e sigo em frente
Eu mais chama quente
O demônio mais tranquilo
Eu mais ele e ele mais eu
Um dia encontro
um pedaço de saúde
Abraço o meu
descanso na loucura
Repouso vulnerável
Jazo sem armadura
Até o dia fatídico
vou como posso
Faço o que posso
E também o que devo
O demônio matou o medo
Ele mora comigo de aluguel
Eu cada dia mais ele
Ele cada dia mais eu
Eu ainda mais ele
Ele ainda mais eu
Eu mais ele
Ele mais eu
Eu ele
Ele eu
Eu
Acho que, enfim,
Localizo-me aqui
Nos entendemos ou
eu mesmo me entendi
Nossa parte boa domina,
mas deve ser mantido este segredo
Que por aí digam que nossa sina
Não é espalhar amor e sim o medo
Que me chamem de demônio
Que tentem apagar nossas chamas
Continuaremos, entretanto,
por aqueles que nos amam
Esquento outra vez
de tanta felicidade
Talvez ainda queime esta cidade
Sou completo e me reconheço
Celebro a minha liberdade.
Uma luta na qual travamos diariamente, entre o sentir e o fugir do que nos move …. parabéns muito lindo
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Muito obrigado, Wilza! Feliz que tenha gostado! É uma luta constante mesmo esse vencer a nós próprios. Ótima quinta-feira pra você!
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Obrigado, Wilza, querida! Feliz que me acompanhe no blogue também!
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